O Estado de S. Paulo

Verissimo

- LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCRITOR E COLUNISTA DO ‘CADERNO 2’

Ouve-se falar que produtos da seleção estão encalhando. Nada que uma campanha vitoriosa não possa resolver.

Um pouco de história antiga. Na seleção que ganhou a Copa de 1958, a nossa primeira, todos os jogadores convocados atuavam no Brasil.

Se não me falha a memória, o que eu duvido, só um, o centroavan­te Mazzola, estava em vias de deixar o Palmeiras, com o passe vendido para a Itália.

No time de 1962, a mesma coisa: só jogadores daqui, conhecidos da torcida.

Quando o João Saldanha, na sua primeira entrevista como técnico da seleção de 1970, anunciou o time titular que já estava pronto na sua cabeça, houve quem discordass­e de uma ou outra posição, mas todos acompanhav­am os campeonato­s locais e conheciam as “feras” escaladas pelo Saldanha.

Entre parênteses: como todos se lembram, ou pelo menos todos os velhos, João Saldanha durou pouco como técnico da seleção, derrubado, diz a lenda, pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, que queria o centroavan­te Dario no time. Foi o Saldanha que também anunciou que o Pelé estava com problemas de visão. Fecha parênteses.

Na seleção que está na Rússia e estreia amanhã contra a Suíça, a maioria joga fora do Brasil. Quem acompanha os campeonato­s europeus vê os expatriado­s jogarem, mas não tem a mesma intimidade com eles que tinha com os jogadores de casa.

O Brasil hoje exporta matéria prima futebolíst­ica como minério de ferro. Em muitos casos, os expatriado­s fazem toda a sua carreira, de infantil a veterano, fora de casa. Não nos identifica­mos com nenhum deles.

Às vezes, ouvimos notícias de um jogador brasileiro que está brilhando no Afeganistã­o e só podemos dizer “Quem?”, pois não temos a menor ideia de onde saiu.

O que pode explicar o relativo pouco interesse no Brasil pela Copa do Mundo russa. Ouve-se falar que camisetas e outros produtos ligados à seleção brasileira estão encalhando nas lojas, e nem a 10 do Neymar está saindo como esperado. Mas nada que uma campanha vitoriosa a partir de amanhã não possa resolver.

*

Entreouvid­o na torcida portuguesa, depois do empate com a Espanha:

– O Cristiano Ronaldo não fez nada durante todo o jogo.

– Ó pá. O Cristiano Ronaldo fez os três gols de Portugal!

– Sim, mas fora isso...

*

É sempre um prazer ver a Espanha jogar. Mas não posso evitar o pensamento que é o mesmo prazer que se tem vendo os Harlem Globetrott­ers jogar...

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil