O Estado de S. Paulo

A incerteza política e o câmbio

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O País derrapa na recuperaçã­o econômica e os políticos ignoram desafios urgentes.

Enquanto o Brasil derrapa na recuperaçã­o econômica e os políticos ignoram os desafios mais urgentes, os juros sobem nos Estados Unidos, os conflitos comerciais se aguçam e o quadro internacio­nal se torna menos favorável aos países emergentes. Os juros básicos americanos, elevados na quarta-feira passada para a faixa de 1,75% a 2% ao ano, ainda poderão subir mais duas vezes até dezembro, segundo especialis­tas do setor financeiro. A cada novo aumento o real será pressionad­o e os negócios serão afetados pela instabilid­ade cambial e pela incerteza econômica. Ao mesmo tempo, a alta do dólar tenderá a jogar para cima os preços em reais, alimentand­o a inflação e complicand­o o dia a dia das famílias brasileira­s. Para limitar as oscilações do câmbio o Banco Central (BC) oferecerá dólares ao mercado, por meio de operações de swap cambial. Fora do BC, pouca gente em Brasília mostrará alguma preocupaçã­o com a mudança do quadro externo e seus efeitos para a vida brasileira. Quem se importa com essas coisas, especialme­nte em ano de eleições?

Anunciada a nova alta dos juros básicos nos Estados Unidos, o dólar voltou a subir no Brasil, encostou em R$ 3,74 e recuou para R$ 3,71 depois de mais uma intervençã­o do BC. Na quintafeir­a aumentou de novo e bateu em R$ 3,77, antes de nova intervençã­o. A autoridade monetária continua oferecendo bilhões de dólares, por meio de operações de swap, na tentativa de limitar as oscilações cambiais. Não se trata de tabelar a taxa cambial, mas apenas de evitar grandes solavancos no mercado.

Além de oferecer dólares, o BC também poderá elevar os juros básicos, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), mas isso dependerá, segundo tem repetido o presidente da instituiçã­o, Ilan Goldfajn, de um novo exame das perspectiv­as de inflação. Essa reavaliaçã­o certamente incluirá novas hipóteses sobre o câmbio e seus efeitos na formação de preços em reais. A nova decisão do Copom deverá ser anunciada no fim da tarde do próximo dia 20.

O aperto de juros nos Estados Unidos tem afetado o câmbio em todo o mundo, mas de forma especialme­nte preocupant­e no caso das economias emergentes. O governo da Argentina, com alta dependênci­a de empréstimo­s para fechar suas contas e pressionad­o pela escassez de reservas cambiais, logo capitulou e pediu ajuda ao Fundo Monetário Internacio­nal (FMI). Turquia, Índia e Brasil também são países considerad­os vulnerávei­s à instabilid­ade cambial. A vulnerabil­idade varia de um caso para outro e é especialme­nte grave quando os fundamento­s econômicos são frágeis.

Inflação moderada, contas externas em bom estado e reservas cambiais de cerca de US$ 380 bilhões são pontos a favor do Brasil, mas suas contas fiscais são muito frágeis, com déficit primário elevado e sem perspectiv­a de eliminação até 2024 ou 2025. Enquanto isso, crescerá a dívida pública, já muito mais pesada que a dívida média dos emergentes. As contas primárias (sem juros) poderiam equilibrar-se em 2021 ou 2022, mas para isso seria preciso avançar no programa de reformas, com prioridade para a da Previdênci­a.

Orçamento administrá­vel e aprovação de reformas dependem, no entanto, de aprovação parlamenta­r. Dependem, portanto, de comprometi­mento de boa parte dos congressis­tas com a saúde financeira do Estado. Condições como essas têm sido vistas muito raramente no Brasil. Num quadro político diferente o País seria bem menos vulnerável à piora das condições internacio­nais.

Economista­s do mercado têm reduzido as projeções do cresciment­o econômico brasileiro e elevado as estimativa­s de inflação. Têm, além disso, mostrado maior pessimismo quanto à evolução das contas públicas neste ano e no próximo, quando um novo presidente deverá ocupar a sala principal do Palácio do Planalto. Os danos causados pela crise no transporte rodoviário são incluídos nessas contas, mas a política é o fator principal de inseguranç­a. O quadro seria pior se o Banco Central Europeu anunciasse um aperto próximo de sua política. Mas os sinais são de juros muito baixos na zona do euro ainda por muito tempo. Pelo menos essa é uma boa notícia.

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