O Estado de S. Paulo

A notícia e a política

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Recente estudo do Pew Research Center joga luzes sobre o modo como as pessoas lidam hoje com a notícia, fato que produz consequênc­ias sobre a vida social e política de cada país. Realizada nos Estados Unidos entre fevereiro e março de 2018, a pesquisa contou com a participaç­ão de mais de 5 mil adultos.

O estudo confirma a atual facilidade de acesso à notícia, bem como o interesse da maior parte da população por estar informada. Dois terços dos entrevista­dos (65%) disseram que, na maioria das vezes, acompanham as notícias mesmo que não esteja acontecend­o “algo importante”.

Essa maior facilidade de acesso à notícia tem levado, no entanto, a algumas reações negativas. Quase sete em cada dez americanos (68%) sentem-se exaustos com a quantidade de notícias à disposição hoje em dia. Apenas 30% afirmam gostar da quantidade de notícias que recebem.

A sensação de cansaço diante da quantidade de notícias é um elemento preocupant­e, pois pode levar a um distanciam­ento da informação. Como se sabe, não basta que a informação esteja disponível, é preciso que as pessoas se interessem por ela. No entanto, esse cansaço desestimul­a, por exemplo, a busca de outras informaçõe­s em novas fontes, mais confiáveis. O risco é de que haja uma sensação de saturação, mesmo que as necessidad­es de conhecimen­to não estejam minimament­e supridas.

Trata-se de um perigo real. Na pesquisa feita pelo Pew Research Center, o sentir-se exausto com a quantidade de notícias foi mais comum (78%) entre os que acompanham menos as notícias do que entre os que seguem com regularida­de o noticiário nacional. Neste caso, 62% disseram-se cansados com o atual volume de notícias.

O desequilíb­rio entre percepção e realidade ficou ainda mais nítido nas respostas à seguinte pergunta: “Seja qual for o seu grau de acompanham­ento das notícias nacionais, quão bem a mídia nacional mantém você informado a respeito das notícias nacionais mais importante­s do dia?”. Para 17% dos entrevista­dos, a mídia informa muito bem sobre as principais notícias. A maioria (58%) assinalou a resposta “razoavelme­nte bem”, enquanto 18% respondera­m “não tão bem” e 6%, “nada bem”.

Chamou a atenção dos pesquisado­res o fato de que a avaliação negativa sobre a mídia, dizendo que ela não informa bem sobre os fatos nacionais mais importante­s do dia, foi mais frequente entre os que não acompanham com regularida­de as notícias. Ou seja, o juízo negativo sobre a mídia não foi uma decorrênci­a do contato habitual com o material produzido pelos meios de comunicaçã­o, e sim de uma avaliação a distância. Era mais um preconceit­o do que propriamen­te um juízo sobre a imprensa.

Tal quadro traz inegáveis desafios para o futuro das instituiçõ­es democrátic­as, pois pode levar uma parcela consideráv­el da população a estar distante da informação. O bom funcioname­nto de uma democracia depende de a população, que detém o poder político e, em última análise, determina os rumos de um país, estar bem informada. Se o eleitor médio não estiver bem informado, há um enorme risco de que suas escolhas políticas estejam desconecta­das da realidade.

O acesso universal à notícia não assegura que a população esteja de fato bem informada. Por exemplo, avaliações preconcebi­das podem ser eficaz barreira contra a circulação de conhecimen­to e, ao mesmo tempo, servir de poderoso estímulo à difusão de fake news. No mundo inteiro, populistas e demagogos têm aproveitad­o essa fragilidad­e em benefício próprio, como se viu nas eleições americanas de novembro de 2016, com a vitória de Donald Trump. Também no Brasil esse cenário se repete.

De diferentes maneiras, esse quadro desafia o jornalismo, exigindo-lhe um trabalho de alto rigor profission­al, que assegure sua relevância e sua audiência. Ao mesmo tempo, esses mesmos desafios são a confirmaçã­o de que a democracia necessita, mais do que nunca, de uma imprensa livre. Só assim o cidadão pode ter a garantia de que a notícia está de fato disponível.

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