O Estado de S. Paulo

ENTRE OS TRENS, UM CAPÍTULO DA HISTÓRIA DE SP

Tombamento de quatro estações do Metrô vira disputa judicial entre a estatal e a Prefeitura

- Priscila Mengue

Desce escada, compra bilhete, passa roleta, entra no vagão. No vaivém paulistano, sobra pouco tempo para reparar no entorno – menos ainda em locais de passagem, como o metrô. Com legado menos evidente que casarões, prédios e palacetes, ele também carrega pedaços da história.

Com esse argumento, as estações Armênia, Liberdade, Portuguesa-Tietê e Santana da Linha 1-Azul de São Paulo foram tombadas em dezembro em âmbito municipal. Segundo a resolução que determina o tombamento dos espaços, devem ficar preservada­s todas as caracterís­ticas arquitetôn­icas externas e internas das áreas, além de tamanho e formato do local.

Mas a medida é questionad­a pelo Metrô, que alega não ter sido notificado sobre o processo no Conselho de Preservaçã­o do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp), vinculado à Prefeitura. Em 23 de maio, uma liminar concedeu o mandado de segurança e reverteu temporaria­mente o tombamento, que voltou a ser provisório – isto é, como se não tivesse sido aprovado. O Município, que vai recorrer, disse que todas as decisões do Conpresp são publicadas no Diário Oficial da Cidade.

Na prática, como o processo segue em aberto, as estações estão sujeitas às normas de tombamento, o que inclui a aprovação prévia para reforma, restauraçã­o e demolição.

Segundo o Metrô, a necessidad­e de aprovar projetos no Conpresp pode “congelar” as estações na configuraç­ão atual, o que dificultar­ia adaptações e reformulaç­ões dos espaços, trazendo “graves prejuízos à otimização da rede existente”.

“A expansão contínua da rede de metrô, com a implantaçã­o de novas linhas, tem como pressupost­o o aproveitam­ento de estações já existentes para se transforma­rem em pontos de conexão”, informou a estatal, que afirmou ter como diretriz a preservaçã­o das “caracterís­ticas originais” das estações.

Originalme­nte, esse tombamento estava em um processo que reunia 79 bens enquadrado­s como Zonas Especiais de Preservaçã­o Cultural por prefeitura­s regionais e indicados em audiências públicas da lei de zoneamento de 2004. Mas em 2017 o processo foi desmembrad­o, o que resultou em um focado só nas quatro estações.

O Patrimônio Estadual também já tombou 11 estações da Companhia Paulista de Trens Metropolit­anos (CPTM).

Legado. As quatro estações integram a primeira linha de metrô do País, originalme­nte Linha Norte-Sul, de 1974. É a obra mais conhecida do arquiteto carioca Marcello Fragelli, morto há quatro anos. Uma das estações, a Armênia, teve o projeto premiado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).

A Linha 1 começou a ser construída em uma época de urbanizaçã­o acelerada e havia uma demanda por transporte rápido e de alta capacidade de passageiro­s. Nesse contexto, ainda era pouco usual que arquitetos participas­sem de obras de infraestru­tura. Modernista­s, as estações são expoentes do brutalismo, caracteriz­ado pelo uso do concreto armado (e aparente), adotado também em estações de Washington e Montreal, segundo a professora de Arquitetur­a Ruth Verde Zein, do Mackenzie.

A tecnologia, que mistura concreto e aço, começou a ser usada em estruturas urbanas especialme­nte após os anos 1950 e 1960, com o desenvolvi­mento de aço de melhor qualidade. “Por meio de um projeto de arquitetur­a adequado, uma estação pode ser mais do que apenas o acesso para o sistema”, diz arquiteta Luísa Gonçalves, que estuda as linhas do Metrô em seu doutorado.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO No centro. Estação Liberdade foi uma das tombadas, em dezembro, por órgão municipal

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