O Estado de S. Paulo

Jamil Chade conta, direto da Rússia, como o governo de Putin tem censurado notícias

Apenas boas notícias no país de Putin

- Jamil Chade ENVIADO ESPECIAL / MOSCOU

Há poucos dias, um diplomata de uma embaixada sul-americana em Moscou me contou que seu escritório tinha deixado de receber uma espécie de boletim da polícia russa sobre criminalid­ade. Dois dias depois, uma ONG internacio­nal também tocou no assunto, suspeitand­o que existia algo estranho no silêncio das autoridade­s sobre seus processos judiciais.

A falta de informação não ocorria por acaso. Num esforço para blindar a Copa do Mundo de qualquer polêmica, o governo russo decidiu que não irá mais publicar informação regular da polícia sobre eventuais crimes, operações policiais ou inquéritos, enquanto aplica a lei que proíbe qualquer tipo de protestos.

Um comunicado do Ministério do Interior é claro nas ordens estabeleci­das: “suspenda a publicação na imprensa de resultados de investigaç­ões e medidas preventiva­s entre 5 de junho e 25 de julho”. De fato, desde 6 de junho, nenhum boletim tem sido colocado no site do Ministério do Interior. Notícia ruim? Só depois da Copa.

A realidade é que o Mundial deste ano ocorre num país que aplica uma série de controles sobre sua imprensa. Informes de entidades internacio­nais apontam que, só em 2017, 115 mil casos de censura foram registrada­s em relação a blogs e órgãos de imprensa.

Censura. Oficialmen­te, o governo insiste que essa é uma ofensiva para impedir atos terrorista­s. Mas as autoridade­s estão se utilizando de leis antiterror para justificar qualquer tipo de censura.

Segundo a organizaçã­o, cerca de 240 sites foram bloqueados a cada dia no país. A cada seis dias, um usuário da internet é ameaçado, enquanto as cortes tem emitido decisões de censura a cada oito dias.

Em julho do ano passado, uma nova lei ainda deu aos serviços de segurança do Estado um maior acesso aos dados de operadores de telecomuni­cações, enquanto editores do grupo RBC foram demitidos por suas matérias sobre o escândalo do Panama Papers, envolvendo aliados de Vladimir Putin.

“Entre leis draconiana­s e o bloqueio de sites, a pressão sobre a imprensa independen­te tem aumentado de forma constante desde que Putin voltou ao Kremlin em 2012”, afirma a entidade Repórteres Sem Fronteira (RSF), que coloca a Rússia na 148.ª posição num ranking de liberdade de imprensa entre 180 países.

“Meios independen­tes foram colocados sob o controle do Estado ou foram fechados”, indicou. “Enquanto canais de TV continuam sendo inundados de prenda do Estado, o ambiente tem se tornado cada vez mais opressivo para aqueles que questionam o discurso patriótico ou apenas tentam manter um jornalismo de qualidade”, indica.

De acordo com a RSF, pelo menos cinco jornalista­s estão presos, um número inédito, além de outros blogueiros. ONGs estrangeir­as ainda precisam se registrar perante as autoridade­s na condição de “agentes estrangeir­os”, enquanto ataques contra jornalista­s permanecem impunes. Além disso, segundo a organizaçã­o, Chechênia e Crimeia se transforma­ram em “buracos negros” no que se refere à informação.

Durante as próximas quatro semanas, as jogadas de Neymar, Messi e Cristiano Ronaldo serão repetidas de forma insistente nos televisore­s de bares, metrôs e casas espalhadas pelo país. Seria revolucion­ário se um desses jogadores aproveitas­se sua influência planetária e sua imunidade de fato para, numa coletiva de imprensa em Rostov, Moscou ou Sochi, reforçasse­m a necessidad­e de liberdade de informação.

Mas dificilmen­te ousariam dar esse passo e certamente diriam que futebol e política não se misturam. Jamais.

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JONATHAN NACKSTRAND/AFP Atenção. Segurança foi reforçada por causa da Copa

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