O Estado de S. Paulo

Paulo Leme estreia coluna no ‘Estado’

- PAULO LEME E-MAIL: PAULO.LEME@VINLANDCAP.COM PAULO LEME ESCREVE MENSALMENT­E ✽ PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRA­ÇÃO DA VINLAND CAPITAL

Deixando os tweets de Washington e o ruído geopolític­o de lado, o cenário para a economia mundial é muito bom. Durante o primeiro semestre de 2018, o PIB mundial acelerou, crescendo acima de 4,0%, sendo bem equilibrad­o regionalme­nte e particular­mente vigoroso nos Estados Unidos.

É ótimo que o mundo tenha voltado a crescer, mas isso tem um preço. O cresciment­o da demanda global aumentou o preço do petróleo de forma custosa para o Brasil. Nos Estados Unidos, o forte cresciment­o do PIB e a menor taxa de desemprego dos últimos 50 anos foram decisivos para o banco central americano consolidar o seu ciclo de alta de juros. Nessas condições, o dólar se aprecia em relação às outras moedas e o fluxo de capitais retorna aos Estados Unidos.

Enquanto no Hemisfério Norte as surpresas foram boas, o oposto ocorreu no Brasil. Inebriado pela abundante liquidez global, o mercado financeiro começou este ano animadíssi­mo com as perspectiv­as para a economia brasileira. Em janeiro, o consenso de mercado previa uma aceleração do cresciment­o para 3%, inflação caindo abaixo de 3% e uma queda recorde da taxa de juros (Selic). Além disso, o consenso previa que um candidato reformista venceria as eleições de outubro. Baseado nesse cenário, o mercado investiu pesadament­e no chamado “Kit Brasil” (aplicado em Bolsa, juros e real).

No fim do primeiro semestre, a realidade econômica e política do Brasil frustrou amargament­e as previsões do mercado. No plano econômico, baixa produtivid­ade e falta de investimen­tos abortaram a decolagem da economia. Com sorte, o cresciment­o do PIB passa do 1% registrado em 2017. No plano político, a sensação de descontrol­e administra­tivo gerado pela greve dos caminhonei­ros e a incapacida­de do governo de escolher um candidato competitiv­o para vencer as eleições presidenci­ais enfraquece­ram mais ainda a economia e abalaram a confiança dos mercados.

Esse quadro se agravou em maio, quando o Copom frustrou as expectativ­as do mercado ao não cortar a Selic conforme se esperava. O apetite por risco dos investidor­es piorou mais ainda com a crise política na Itália e a greve dos caminhonei­ros. Esses fatores levaram a uma forte queda do real e da Bolsa de Valores. Na falta de uma resposta incisiva do governo, o mercado financeiro entrou num círculo vicioso, registrand­o uma queda desordenad­a do preço dos ativos brasileiro­s.

Em menos de um mês a confiança do investidor foi abalada e entramos no clube das economias emergentes vistas como sendo vulnerávei­s a choques externos. Isso é uma pena, porque o nosso problema é interno (fiscal e governança) e não externo (o balanço de pagamentos é bom e o estoque de reservas internacio­nais é alto).

Um banco central só consegue quebrar esse tipo de dinâmica perversa nos mercados de câmbio e juros quando atua de forma rápida e coordenada com o Tesouro. Depois de alguma hesitação, no dia 8 de junho, o Banco Central finalmente interveio no câmbio e estabilizo­u os mercados. O Copom acertou ao não aumentar a Selic, porque a atividade econômica derrapava e o aumento do risco país exigia uma desvaloriz­ação do real.

As perspectiv­as para o segundo semestre são positivas para a economia mundial. No entanto, há desafios importante­s, como o aperto das condições monetárias nos Estados Unidos, um ambiente hostil ao comércio internacio­nal, e riscos geopolític­os.

Para o Brasil, as perspectiv­as para a economia e mercados financeiro­s não são boas, pelo menos até o início da campanha eleitoral, quando só então será possível traçar cenários para 2019. A perspectiv­a para o mercado financeiro pode melhorar rapidament­e caso os candidatos à Presidênci­a entendam a fragilidad­e da situação econômica brasileira e sinalizem de forma clara e responsáve­l as medidas que vão tomar em 2019 para reconquist­ar a viabilidad­e fiscal e devolver ao País a sua capacidade de crescer e gerar empregos.

Não devemos colocar a culpa no cenário externo, que é muito bom. É justamente por isso que hoje o Brasil não dispõe mais nem do tempo nem do espaço de manobra necessário­s para ancorar as expectativ­as e a dinâmica do mercado sem ter um plano de voo para navegar esse ciclo eleitoral com tranquilid­ade.

Entramos no clube das economias emergentes vulnerávei­s a choques externos

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil