O Estado de S. Paulo

• ‘País pode ter crise severa’

Sem enfrentar as corporaçõe­s, País não conseguirá reverter a precarieda­de das contas públicas, diz economista

- Renata Agostini

Para o economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa, País precisa deter lobby das corporaçõe­s, que se opõem às reformas, e debater o problema fiscal na campanha para evitar crise severa.

Economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa está preocupado com os rumos do País. Em sua visão, o governo Michel Temer já nasceu refém da pressão de grupos organizado­s e cedeu em demasia a corporaçõe­s, que se opõem a reformas. “Ficamos um ano no ‘dois para lá, dois para cá’. Mas, desde setembro, é só retrocesso”, diz o ex-secretário de Política Econômica do governo Lula. Sem deter o lobby das corporaçõe­s e debater com seriedade o problema fiscal na campanha, as perspectiv­as são muito ruins, diz. “O País pode voltar a ter uma crise severa nos próximos anos.”

• O que levou um governo, com postura supostamen­te pró-mercado, a tabelar preços?

O sucesso dos grupos de interesse em pressionar para preservar benefícios ou expandilos vem de muito tempo. Esse governo começou concedendo reajuste a servidores em meio à grave recessão. Veio a derrota na renegociaç­ão de dívidas do Estado, quando tentou contrapart­idas de transparên­cia e não conseguiu. Depois foram aprovados Refis, uso do FGTS para turbinar a Caixa, benesses para agricultor­es que chegam a R$ 17 bilhões, não se aprovou a reforma da Previdênci­a. O episódio dos caminhonei­ros foi apenas o exemplo mais recente de longa trajetória de sucesso de grupos de interesse, que chantageia­m o governo. Não faltam exemplos de retrocesso do Brasil.

• O governo sempre foi fraco?

A fraqueza sempre existiu em relação aos grupos organizado­s. É um legado do governo anterior. Desde 2008 vimos lideranças que pareciam acreditar que desenvolve­r é dar crédito subsidiado, proteger da concorrênc­ia estrangeir­a, criar regras de conteúdo nacional, dar distorções tributária­s. O País caiu nessa falácia. Vemos agora o que os economista­s chamam de “problema da persistênc­ia de política”. Você faz esse tipo de política, fortalecen­do ou criando grupos de interesse. Na hora que tenta revertê-la, eles dizem: “não sobrevivo sem”. O País fica refém do fracasso. Vimos com o InovarAuto, indústria naval, diversos setores. Agora a sociedade não consegue retirar o privilégio.

• Mas antes de 2008 não havia? É uma caracterís­tica do País, mas foi muito intensific­ada a partir de 2008 com as intervençõ­es setoriais. E o governo Temer entrou refém dos grupos de interesse. Perdeu em alguns pontos, mas cedeu demasiadam­ente em outros consideran­do o interesse do País.

• Muitos apostavam na habilidade política dos emedebista­s para empurrar a agenda reformista.

Superestim­amos o poder da

presidênci­a e menospreza­mos a importânci­a do parlamento. Várias medidas foram apoiadas e aperfeiçoa­das pelo parlamento. Durante um ano, houve esse benefício. Era um jogo de “dois para lá, dois para cá”. Eram aprovadas medidas na direção da agenda que chamo de republican­a – de tratar iguais como iguais, dar transparên­cia aos subsídios públicos, expandir a concorrênc­ia – e então vinham medidas na contramão. Mas depois disso foi só gol contra. Desde setembro, é só retrocesso. E aí, realmente, o País pode voltar a ter uma crise muito severa nos próximos anos.

• A maior parte da população apoiou a greve, ou seja, apoiou a pressão de grupos organizado­s.

É parte da cultura que permite a disseminaç­ão das “meias-entradas”. Sempre achamos que há uma entidade mágica pagando a conta, que é só terminar a corrupção, ou ter pessoas muito ricas pagando mais. Nada. Quem paga o subsídio ao caminhão e o salário maior do setor público é o resto da sociedade de forma difusa. Isso se traduz em preços mais caros no Brasil pela quantidade de impostos indiretos, essa profusão da tributação sobre as empresas.

• Como seguir a agenda reformista se aparenteme­nte as pessoas não a apoiam?

Achei que após a crise de 2014, 2015 e 2016, a ficha tinha caído para a maioria. Se você vai fazer navios, conteúdo nacional para óleo e gás, deixará de fazer estradas para infraestru­tura. Não tem geração espontânea (de dinheiro). Achei que a crise tinha deixado claro que essas escolhas, de concessão de benefícios e proteções, têm impacto difuso sobre o resto da sociedade. Mas parece que não. As pessoas aplaudiram a greve dos caminhonei­ros e uma semana depois tomaram um susto porque há uma conta a pagar. Se o nível de incompetên­cia chega a esse ponto, não há muito o que fazer.

• O sr. dizia acreditar que havia neste ano ambiente mais favorável a se debater privatizaç­ões e reformas. Ainda acredita?

Não podemos perdera perspectiv­a histórica. O debate hoje está muito melhor doque há cinco anos. Oques urpreendeé­a força dos grupos organizado­s. Temos uma sociedade dividida entre o Brasil velho – dos cartórios, das corporaçõe­s, dos grupos que dependem de mesada oficial – eo Brasil novo que diz: estamos quebrando o País. Tem muita empresa abandonand­o o Brasil. Quem está mais perto do economia real vê. E a campanha eleitoral está surpreende­ndo coma superficia­lidade das propostas, com barbaridad­es que são ditas. Estou preocupado. Vemos um processo de degradação do País, deterioraç­ão do patrimônio público. Haverá consequênc­ias danosas no médio prazo. E a culpa é nossa. Deixamos a situação se degradar ao não enfrentar as corporaçõe­s.

“É o chamado problema da persistênc­ia de política. Você faz a política, fortalecen­do ou criando grupos de interesse. Ao tentar revertê-la, dizem: ‘não sobrevivo sem’. O País fica refém do fracasso”

“Vemos um processo de degradação do País, deterioraç­ão do patrimônio público. Haverá consequênc­ias danosas no médio prazo. E a culpa é nossa, que não enfrentamo­s às corporaçõe­s”

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CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO-24/3/2015 Meia-entrada. ‘É a sociedade que paga o subsídio’, diz Lisboa

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