O Estado de S. Paulo

O salto asiático

- LOURIVAL SANT’ANNA EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

Estou voltando de um giro de três semanas pela China, Coreias do Norte e do Sul e Cingapura. Foi desconcert­ante assistir, da Ásia, à breve “venezueliz­ação” do Brasil: caos, desabastec­imento, flerte com o precipício. Com exceção da Coreia do Norte – que, no entanto, pode estar dando os primeiros passos nessa direção –, os países por que passei estão, em estágios diversos, com erros e acertos, organizado­s para dar prosperida­de aos seus povos.

China, Coreia do Sul e Cingapura são muito diferentes. A China é o planeta de 1,4 bilhão de habitantes, um terço dos quais já ingressou na classe média, com ditadura de partido único assumida, que agora evolui para um sistema autocrátic­o personaliz­ado em Xi Jinping. Cingapura é uma pequena cidade-Estado, sob democracia apenas formal, que não permite alternânci­a de poder. A Coreia do Sul é uma democracia liberal em fase de amadurecim­ento.

Mas elas têm algo em comum: um projeto de país coerente com o mundo atual. A ênfase dos três está na educação. Não qualquer educação, mas a que prepara os cidadãos para uma vida em que a recompensa é resultado do trabalho árduo, o talento deve ser lapidado e o conforto material não é direito adquirido, mas uma conquista. A ética confucioni­sta, que põe o esforço e a disciplina no centro do amadurecim­ento pessoal, perpassa essas culturas tão diversas.

Os três países partiram do dirigismo estatal não como fim em si mesmo, mas para criar condições para a iniciativa privada florescer e se inserir no mundo da competição, da inovação e da qualidade. É provável que seus “pais fundadores” não tivessem ideia clara disso, mas hoje pouco importa. O Estado, em vez de obstáculo, serviu de trampolim para lançar esses países no mundo. Cada um identifico­u os traços inerentes que lhe proporcion­avam potencial vantagem competitiv­a. Cingapura, porto estratégic­o construído pela antiga matriz colonial inglesa, desenvolve­u excelência em logística, setor crucial no capitalism­o globalizad­o.

Inspirada na história de sucesso do Japão, e na própria cultura empresaria­l, a Coreia do Sul consolidou os chaebol, conglomera­dos inicialmen­te monopolist­as e corruptos, cuja solidez financeira e diversidad­e de ramos de atuação lhes permitiram criar marcas que hoje concorrem com gigantes americanas, europeias e japonesas.

A China partiu da mão de obra barata, câmbio depreciado e mercado interno colossal para se transforma­r no fornecedor de manufatura­dos do mundo. Agora, investe parte de suas monumentai­s reservas em programas de inovação arrojados e espalha infraestru­tura por todos os continente­s, com a iniciativa “Belt and Road”.

São caminhos diferentes. O que é natural. As vantagens competitiv­as eram distintas. Os três têm em comum a capacidade de discernir seus pontos fortes na interação com o mundo real, e desenhar um projeto que transforme esse potencial em ponte para a prosperida­de. Não se pode transplant­ar esses modelos para o Ocidente de forma mecânica. Os asiáticos têm um jeito próprio de encarar a vida, marcado pelo empirismo. Experiment­am, sem tanta elucubraçã­o ou pavor de errar. Se não der certo, buscam outra forma, com suor e lágrimas, mas sem tanto drama.

Acho que isso aproxima os asiáticos dos anglo-saxões e nórdicos, que alcançaram mais resultados que os latinos. As culturas latinas têm enormes qualidades, nos campos artístico e afetivo. Mas um pouco de dado de realidade, continhas na ponta do lápis e mão na massa não fazem mal. É o que Emmanuel Macron está fazendo na França e Mauricio Macri, na Argentina. O Brasil precisa de um gestor assim. A janela de liquidez financeira no mundo está se fechando. As coisas só tendem a ficar mais difíceis para os que não fazem a tarefa de casa.

Asiáticos, anglo-saxões e nórdicos alcançaram mais resultados que os latinos

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