Crianças do Brasil são separadas dos pais nos EUA
Ex-funcionário de centro de acolhimento do Texas revela drama de menores brasileiros que são tratados como criminosos na fronteira
Os irmãos brasileiros de 8, 10 e 17 anos chegaram ao abrigo para menores em Tucson, no Arizona, às 9h30 do dia 29. Assustados, choravam sem saber onde estava a mãe, com quem haviam cruzado a fronteira do México com os EUA. Apreendidos, eles passaram a fazer parte da estatística cruel do governo de Donald Trump, a de famílias de imigrantes separadas em razão da política de “tolerância zero” do presidente.
Entre os dias 19 de abril e 31 de maio, 1.995 menores foram enviados a centros como o que recebeu os três irmãos, enquanto seus pais ou guardiões eram encarcerados em prisões federais. A separação pode durar meses, marcados por incerteza e medo.
Na sexta-feira, 17 dias depois de sua chegada ao abrigo Estrella del Norte, os três irmãos conversaram pela primeira vez por telefone com a mãe, Jaene Silva de Miranda, que está em um centro de detenção na cidade de Eloy, a 90 km de Tucson. Segundo o Consulado do Brasil em Los Angeles, o contato foi feito a pedido da cônsul-honorária do Brasil no Arizona, Rosilani Novaes, que visitou os menores depois de se encontrar com Jaene. Durante a visita, eles disseram que estavam sendo bem tratados, segundo o consulado.
Mas no dia em que eles chegaram ao local, o sentimento era de pânico, disse o filho de brasileiros nascido na Califórnia Antar Davidson, que trabalhou durante quatro meses no Estrella del Norte. “Os irmãos estavam muito traumatizados, choravam e se abraçavam”, lembrou ele, que disse ter pedido demissão no dia 7 por discordar do tratamento dado aos menores.
A gota d’água foi a ordem para dizer às crianças que não podiam se abraçar. “A política do centro é que menores não podem se tocar. Mas não dá para aplicar regras dessa maneira, sem empatia. Não escolhi esse trabalho para fazer isso”, disse Davidson, de 32 anos, que dava aulas de capoeira e inglês.
No dia 30, outros quatro brasileiros chegaram ao Estrella del Norte, relatou. Um tinha 14 anos e os demais, 17. No dia 24, um deles fará 18 anos e será transferido para um centro de detenção para adultos. Ele cruzou a fronteira desacompanhado e o consulado em Los Angeles conseguiu entrar em contato com sua mãe no Brasil. A mãe de outro brasileiro de 17 anos está detida no Texas, enquanto os pais dos outros dois ainda não foram localizados.
Quando Davidson começou a trabalhar no abrigo, em fevereiro, a maioria das crianças havia sido apreendida quando cruzava a fronteira desacompanhada. Nesses casos, as autoridades tentavam localizar pais ou familiares que poderiam se responsabilizar por elas. “Quando os menores chegavam no centro, já sabiam que seriam reunificados com a família.”
A situação mudou com a determinação de Trump de processar todos adultos criminalmente sob a acusação de entrarem nos EUA de maneira ilegal e enviá-los a prisões federais. Nas últimas semanas, Davidson passou a ver um número crescente de menores que haviam sido separados dos pais na fronteira e chegavam ao abrigo sem saber o que aconteceria. “O que era transitório passou a
Crueldade • “A política do centro é que os menores não podem se tocar. Mas não dá para aplicar regras dessa maneira, sem empatia. Não escolhi esse trabalho para fazer isso” Antar Davidson AMERICANO, FILHO DE BRASILEIROS, QUE TRABALHAVA EM CENTRO DE ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS EM TUCSON, NO ARIZONA
ficar cada vez mais permanente, com uma equipe despreparada para lidar com a situação.” Ele disse que antes dos sete menores que chegaram nos dias 29 e 30, o Estrella del Norte nunca havia recebidos brasileiros.
Além do trauma da separação, eles enfrentaram a barreira da língua, já que as aulas no abrigo são em espanhol. Davidson disse que era o único funcionário que falava português. Em declarações ao jornal Los Angeles Times, a porta-voz da ONG que administra o local disse que tradutores são contratados para casos como os dos brasileiros. “Nossa equipe tem grande experiência em lidar com essa população”, disse Cindy Casares.
Com o agravamento da crise econômica, cresceu o número de brasileiros que entram nos EUA de maneira clandestina e muitos fazem o trajeto com os filhos. Entidades de defesa de direitos humanos condenam a política de “tolerância zero” e sustentam que pode causar danos psicológicos irreversíveis nos menores e nos pais. Em maio, um hondurenho de 39 anos se suicidou em uma prisão do Texas depois de ter sido separado da mulher e de seu filho, segundo o Washington Post.