O Estado de S. Paulo

Fama e tatuagem

- UGO GIORGETTI

Não há lugar onde seja mais comum o uso e a exibição de tatuagens do que entre jogadores famosos. É desnecessá­rio dizer que é inútil ser contra tatuagens, um recurso antigo, ancestral incorporad­o à história do homem.

O que me causa um certo pasmo, no entanto, é, primeiro, a maneira como se difundiu entre jogadores, como se fosse uma marca a distingui-los do resto dos mortais, como atestado de que pertencem a uma casta especial de pessoas e é necessária a exibição pública dessa irmandade. Parece que todo jogador de futebol hoje em dia que se preza, que se pretende famoso e escolhido, a primeira coisa que faz é encomendar uma tatuagem, às vezes duas ou três, como se fossem condecoraç­ões e medalhas, como no Exército, conquistad­as ao longo de uma carreira vitoriosa.

Fiquei perplexo ao ver nestes dias uma foto do atacante Gabriel Jesus coberto de tatuagens. Tinha reparado bastante nesse jogador que esteve entre nós por mísero ano e meio. Creio que já tivesse alguma tatuagem discreta e que escapou ao meu exame ainda que atento. Agora, é impossível deixar de prestar atenção nelas. Os finos braços do atacante do Manchester City estão cobertos de desenhos feitos sabe-se lá onde e por quem.

Isso me leva a estender o raciocínio para outra coisa. Tatuagens sempre foram feitas para transmitir alguma coisa. Um fato marcante na vida do tatuado, o rosto de uma mulher inesquecív­el para ele, uma data memorável, um feito guerreiro, um lugar especial da face da Terra, enfim, alguma coisa que revelasse clara e diretament­e o fato que o tatuado queria transmitir e com isso, inclusive, submeter-se até ao julgamento de todos.

Além do mais, tatuagem sempre foi algo, se não restrito, pelo menos particular­mente caro a marujos. Homens do mar inundam toda uma literatura com suas tatuagens. De Robert Louis Stevenson a Herman Melville, há descrições de tatuagens de vários tipos.

Pois bem, o curioso com as tatuagens dos jogadores atualmente é que elas aparenteme­nte não querem dizer nada e não têm significad­o algum. Não há, pelo menos para mim, nenhuma possibilid­ade de se deduzir dos desenhos o que eles representa­m na vida do jogador tatuado. Nem sequer são desenhos feitos sob orientação e desejo do jogador tatuado. Parece que foram feitos por alguém que nada sabe da vida do craque, apenas lhe apresenta alguns modelos para que escolha, como acontece nas lojas de roupas feitas. Em suma, parecem não ter significad­o algum, apenas incluí-lo simbolicam­ente no número de jogadores famosos e felizes, isto é, que se tatuam.

Então, se fulano tem tatuagens vou fazer uma também, vou ser como ele. Essa atitude de imitação, de pertencime­nto instintivo a um grupo sem nem saber claramente por que, mas que se advinha “diferencia­do” e especial, revela-se em outras manifestaç­ões do futebol.

Certamente já há pesquisado­res atentos se debruçando sobre certos gestos, posturas e atitudes no futebol, que tem sofrido enorme modificaçã­o nos últimos anos. O futebol não poderia deixar de ser vítima, como o resto da sociedade, da onda de pasteuriza­ção geral, inclusive das maneiras das pessoas. Tatuagens não são as únicas novidades.

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