O Estado de S. Paulo

Tá Russo! Uma coluna que conta e mostra como é a vida no país-sede do Mundial.

O passatempo preferido

- Marcio Dolzan ✽ ENVIADO ESPECIAL / SOCHI

Uma das coisas que se descobre quando se vem à Rússia pela primeira vez é que não existe apenas uma Rússia, existem várias. E esse é um dos pontos que a aproxima do Brasil. São dois países enormes, com climas e culturas diferentes nas suas mais variadas partes. O que é comum num extremo do país pode não ser no outro. Por isso, é ao mesmo tempo tão fascinante e tão difícil entender um lugar, mas eu vou tentar mostrar o caminho das pedras.

O colega Glauco de Pierri, por exemplo, que está cobrindo a Copa do Mundo para o Estado lá em Moscou, escreveu recentemen­te que, na capital do país, “a temperatur­a às vezes não passa dos 5 graus” e que “o vento que sopra gelado corta o rosto, deixa lábios, nariz e orelhas ressecados, endurece dedos e mãos”. Lembrou o meu Rio Grande do Sul.

Sochi, onde a seleção brasileira está baseada, não é nada disso. Conhecida como Riviera Russa, a cidade é um bonito balneário no sudoeste do país e, nesta época do ano, a temperatur­a tem batido nos 30 graus. Acho que em momento algum baixou dos 15, mesmo à noite. Até porque noite quase não existe por aqui: o sol se põe apenas depois das 20h e às 4h da matina já está dando as caras.

Nesse clima, o que mais se vê são famílias em direção à praia. A cena é quase sempre parecida: crianças carregando boias do tamanho de pneus e casais deitados à beira do mar... sobre pedras. Sim, as praias por aqui são de pouca areia (mais grossa que a que vemos no litoral brasileiro) e de muitas pedras. Nada que renda reclamação ou impeça as pessoas de estenderem uma toalha e deitar. Algumas até mesmo dispensam a toalha.

Quem não está disposto a tomar banho de sol sobre as pedras e correr o risco de ficar com um bronzeado de queijo suíço tem a opção de alugar uma das dezenas de tendas oferecidas. Elas contam com um sofazinho, serviço de bar, às vezes uma música ambiente e, claro, uma vista tranquila para o Mar Negro. Não vai ter bronzeado, mas vai ter paz e sossego.

E o trânsito? Em Moscou, contou o Glauco, “em algumas das principais avenidas é praticamen­te impossível atravessar a rua e chegar vivo ao outro lado”. Pois cruzar as bem cuidadas ruas e avenidas em Sochi é a coisa mais fácil do mundo. Praticamen­te todos os motoristas param quando alguém aparece próximo à faixa de pedestres, e desde que cheguei, há dez dias, houve um único caso em que essa regra não funcionou – e aí não funcionou mesmo, porque o motorista de um furgão desrespeit­ou três leis de trânsito em uma única tacada. Ele atravessou a faixa de pedestres para converter à esquerda com apenas uma das mãos ao volante, enquanto a outra segurava o celular junto ao ouvido. Quase me senti no Brasil.

O que deve ser parecido em Moscou, Sochi ou Vladivosto­k (não tem nenhum jogo da Copa lá, mas eu cito porque tem gente que estuda geografia pelo tabuleiro do War) são os problemas de comunicaçã­o. É muito raro alguém falar inglês por aqui, e a menos que você seja o Charles Chaplin, mímica quase não resolve. Mesmo que a cidade abrigue seis partidas da Copa do Mundo e que tenha sido sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, bares e restaurant­es dificilmen­te têm um cardápio com letras do nosso alfabeto. Até mesmo no luxuoso hotel onde a seleção brasileira está hospedada é difícil achar um funcionári­o que fale outra língua a não ser o russo.

Para isso, o que tem ajudado, e muito, são os aplicativo­s de tradução simultânea. Aí é um festival de pegar o smartphone, digitar o que se quer saber, mostrar pro nativo e torcer para que ele faça o mesmo. Tem funcionado bem e rendido conversas simpáticas sem uma palavra.

Tal qual as praias aqui na Riviera Russa, esse tem sido o caminho das pedras.

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UESLEI MARCELINO/REUTERS Longos dias. No verão, o sol se põe depois das 20 horas O que mais se vê, na praia de Sochi, são famílias deitadas sobre pedras – a areia é rara

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