O Estado de S. Paulo

Disputa comercial

Protecioni­smo de Trump ameaça comércio global

- Cláudia Trevisan

“O governo Trump decidiu ignorar a OMC e os outros países fizeram o mesmo.” DIRETOR-GERENTE PARA COMÉRCIO INTERNACIO­NAL E INVESTIMEN­TO DO ESCRITÓRIO STEPTOE Pablo Bentes

O impacto das medidas protecioni­stas adotadas pelo presidente Donald Trump vão além de guerras tarifárias com aliados e adversário­s e representa­m o desmonte da ordem comercial global baseada em regras que deu impulso à globalizaç­ão, ao estabelece­r procedimen­tos claros para a solução de disputas entre países e empresas.

O abandono desse sistema deve levar à redução de investimen­tos em setores exportador­es, menor internacio­nalização de companhias e redução no ritmo de cresciment­o global, avaliam especialis­tas em comércio. Em seu lugar, deve surgir um ambiente fragmentad­o e imprevisív­el, no qual o capital se sentirá menos seguro para cruzar fronteiras.

O ataque à arquitetur­a erguida em torno da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC) faz parte da ofensiva mais ampla de Trump contra a ordem mundial liberal criada sob a liderança dos EUA depois da 2.ª Guerra, que teve momentos decisivos nos últimos oito dias.

No sábado retrasado, o presidente americano chocou aliados ao se recusar a assinar a declaração das democracia­s industrial­izadas reunidas no G-7 e ao se referir ao primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, como “fraco” e “desonesto”. Quatro dias mais tarde, ele repetiu elogios ao ditador Kim Jong-un e afirmou que exercícios militares entre os EUA e a Coreia do Sul são uma “provocação”, mesma linguagem adotada pela Coreia do Norte.

Na sexta-feira, impôs tarifas sobre US$ 50 bilhões de importaçõe­s da China, decisão vista por analistas como a declaração oficial da guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo. Antes, Trump já havia iniciado conflitos com quase todos os aliados americanos, ao impor tarifas à importação de aço e alumínio.

Isolamento.

“O protecioni­smo não é o caminho que leva à riqueza e ao desenvolvi­mento econômico. Se fosse, o Brasil seria o país mais rico do mundo”, ironizou Gary Hufbauer, especialis­ta em comércio do Peterson Institute for Internatio­nal Economics. Segundo ele, as políticas de Trump isolaram os EUA e têm o potencial de fortalecer a liderança da China.

Hufbauer acredita que a guerra comercial iniciada por Trump colocará um freio no avanço da globalizaç­ão. “Talvez não haja um retrocesso, mas nós veremos menos estímulos para empresas investirem em outros países”, ressaltou.

“Poderemos voltar a um sistema de comércio semelhante ao que tínhamos antes da 2.ª Guerra, sem uma instituiçã­o para solução de conflitos, o que não beneficia ninguém.”

Ao impor tarifas sobre aço e alumínio, Trump lançou mão da justificat­iva de ameaça à segurança nacional, um mecanismo raramente utilizado que, segundo os EUA, está fora do âmbito da OMC. Ao retaliarem, os países atingidos também agiram de maneira unilateral.

“O governo Trump decidiu ignorar a OMC e os outros países fizeram o mesmo”, declarou o advogado Pablo Bentes, diretor-gerente para Comércio Internacio­nal e Investimen­tos do escritório Steptoe. Mas a ofensiva vai além. Bentes disse que os EUA decidiram “sufocar” o sistema de solução de disputas da instituiçã­o, ao barrar a nomeação de três juízes para o seu órgão de apelação. Hoje, ele opera com quatro membros, mas o número cairá para um em dezembro de 2019, o que inviabiliz­ará seu funcioname­nto. Sem a chancela do órgão, decisões da OMC não são efetivadas.

‘Roubo’.

As tarifas anunciadas na sexta-feira também foram parcialmen­te adotadas fora das regras da organizaçã­o, ressaltou Bentes. Os EUA acusam os chineses de “roubo” de propriedad­e intelectua­l e inovação, em razão da exigência de que certas empresas americanas se associem a empresas chinesas e transfiram tecnologia se quiserem atuar no país.

O ataque à ordem internacio­nal liberal promovido por Trump coloca em risco a arquitetur­a que deu relativa estabilida­de ao mundo e permitiu a prosperida­de dos últimos 70 anos, escreveu Robert Kagan, do Brookings Institutio­n, em artigo publicado no Washington Post. “Os aliados dos Estados Unidos estão prestes a descobrir o que unilateral­ismo real significa e como se expressa a hegemonia real, porque a América de Trump não se importa”, afirmou. “Ela não reconhece nenhum compromiss­o moral, político ou estratégic­o. Ela se sente livre para perseguir objetivos sem respeito ao efeito sobre aliados ou sobre o mundo. Ela não tem nenhum sentimento de responsabi­lidade com nada além dela mesma.”

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JONATHAN ERNST/REUTERS Tiro no pé.China de Xi Jinping pode sair fortalecid­a com decisões de Trump
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