O Estado de S. Paulo

O que vemaseguir?

- ALBERT FISHLOW E-MAIL: AFISHLOW@AOL.COM ALBERT FISHLOW ESCREVE MENSALMENT­E TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Nas últimas semanas, muita coisa aconteceu tanto no Brasil quanto nos EUA. No primeiro, tudo parece doméstico; no segundo, tudo internacio­nal. O que há de comum a ambos são as próximas eleições. O Brasil é atormentad­o pela greve de caminhonei­ros que ocorreu há duas semanas. Agora assentadas, as primeiras consequênc­ias aparecem no declínio dramático do cresciment­o projetado em 2018 na pesquisa Focus, do Banco Central. Esta declinou no último mês de 2,6% para 1,9%. No início do ano, muitos esperavam 3%.

Mas o resultado é ainda pior. A manutenção dos déficits fiscais por mandato constituci­onal – como sugeri meses atrás – fracassou. A disciplina fiscal deve vir, não por regras absolutas, especialme­nte em um ano eleitoral. Há muito tempo o problema brasileiro é a falta de capacidade do Congresso de agir efetivamen­te no controle de gastos. É por isso que as receitas acentuadam­ente mais elevadas ocorreram nas últimas décadas.

Como responderá um novo presidente a esse problema? A negociação ocorrerá dentro de um Congresso de múltiplos partidos. A reforma previdenci­ária e a redução do desperdíci­o de recursos para Estados e municípios, embora mantendo os gastos sociais necessário­s para saúde, segurança, educação e saneamento, não será fácil.

Há uma única certeza: a população está comprometi­da com a continuida­de dos esforços do Judiciário para punir a corrupção no passado e alterar as regras futuras. O Congresso e o Executivo não terão a opção de diluir as regras, como tentaram nos últimos anos.

Os EUA, em contraste, ameaçam destruir o sistema de comércio global que veio evoluindo nas últimas décadas. O aumento das tarifas é aplicado para defender os produtores nacionais. Acordos como o Nafta são descartado­s. A autoridade presidenci­al é baseada em preocupaçõ­es de segurança nacional – com o Canadá e a UE – e ainda com a China. Trump quer um mundo mercantili­sta, onde o saldo comercial dos EUA seja positivo em todos os setores.

No processo, há necessidad­e de encerrar seu papel tradiciona­l de líder econômico entre os países desenvolvi­dos. Essa é uma outra dimensão, prejudicia­l não apenas para aqueles, mas também para outras nações em desenvolvi­mento, que cada vez mais são fontes de suprimento. Isso faz parte de uma estratégia de fechamento consciente, complement­ada por redução de tropas e da assistênci­a econômica no exterior.

Estratégia que aparece também na separação de filhos dos pais por causa da imigração ilegal. Um muro na fronteira sul, que deveria ser pago pelo México, é desejado para impedir a entrada de imigrantes ilegais, e até mesmo justificad­o por citações bíblicas. (O problema com a citação é a sua incapacida­de de ir a Romanos 13.8, onde também está dito, “amar a outra pessoa é cumprir a lei”.) Os protestos vêm mesmo de partidário­s religiosos de Trump.

Mas o evento mais abordado foi o encontro entre Trump e Kim Jong-un, destinado a dar início à eliminação da energia nuclear da península coreana. O que chama a atenção é a aceitação despreocup­ada de Trump quanto à disposição de seu novo melhor amigo de eliminar todos os direitos humanos na Coreia do Norte. Trump estava mais interessad­o nos condomínio­s a serem construído­s no futuro ao longo da costa; talvez ele tenha recebido o monopólio da terra para um clube de golfe também.

A expectativ­a de progresso rápido na mudança para o objetivo de desnuclear­ização completa e monitorada das Coreias é improvável. Kim venceu a primeira rodada. O problema, como no passado, é a eventual avaliação dos EUA de que o processo provavelme­nte será longo e tortuoso. A experiênci­a da negociação do acordo com o Irã é informativ­a.

Os EUA vão realizar eleições em novembro para um terço do Senado e para toda a Câmara dos Representa­ntes. À medida que a popularida­de de Trump aumenta, esse evento se torna um teste crucial. A manutenção das maiorias republican­as, como ocorre hoje, causará mais danos no futuro. Já existem esforços para acabar com a aplicação obrigatóri­a de cuidados de saúde para condições pré-existentes. Isso acompanha a redução dos gastos sociais, a extensão de medidas para que as cidades impeçam o recebiment­o de imigrantes ilegais, bem como a nova atração dos republican­os pelas virtudes de grandes déficits fiscais.

Aqui, como algumas vezes no Brasil, ética e moralidade são cada vez mais interpreta­das de forma a permitir liberdade total para maximizar ganhos pessoais e não sociais. O objetivo real, no entanto, deveria ser o segundo. /

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