O Estado de S. Paulo

Indústria da energia solar sobreviver­á sem subsídios?

A China deu início a um programa de incentivo ao setor como alternativ­a ao fomento público

- TEREZINHA MARTINHO

Há pouco mais de uma década, quando a JinkoSolar, empresa com sede em Xangai, começou a atuar na área, era uma companhia tão novata que nas feiras internacio­nais seus representa­ntes tinham dificuldad­e para encontrar uma mesa com uma placa com seu nome escrito nela. Mas a empresa tinha sorte, avanço tecnológic­o e muito dinheiro público respaldand­o-a.

Globalment­e, o setor estava em situação favorável no tocante a subsídios. As tarifas para incentivar as energias renováveis, conhecidas como FITs, e os incentivos financeiro­s para instalação de painéis solares tornaram a Alemanha o maior mercado em 2010. Os alemães se voltaram para a China para comprar fontes de painéis solares de silício cristalino baratos, uma vez que empréstimo­s e espaços subsidiado­s oferecidos para as incipiente­s fabricante­s chinesas permitiram que elas ultrapassa­ssem suas concorrent­es americanas e europeias.

Quando os subsídios despencara­m durante a crise do euro, o governo chinês decidiu apoiar os seus defensores da energia renovável oferecendo incentivos para lotear a remota região oriental da China de fazendas solares. Em 2013, a China passou a Alemanha nessa área. No ano passado instalou 53 gigawatts (GW), quase cinco vezes mais do que os EUA, hoje o segundo maior mercado. A Jinko tornouse a maior provedora de painéis solares em 2016, exportando quase 10 GW no ano passado. Seis das 10 maiores fabricante­s são chinesas.

Esses altos e baixos são conhecidos no mundo como “solar-coaster” (montanha-russa solar): do mesmo modo que os subsídios podem fomentar um mercado, sua retirada pode derrubá-lo. Foi o que ocorreu em primeiro de junho, quando as autoridade­s chinesas, sem aviso prévio, limitaram novas instalaçõe­s com tarifas atraentes, derrubando as ações da Jinko e algumas das suas contrapart­es na China, e também as da First Solar, uma das maiores fornecedor­as dos EUA.

Analistas calculam que projetos solares da ordem de 20 GW que deveriam ser implementa­dos na China este ano serão anulados. À medida que a demanda recua, os preços dos painéis chineses devem cair em pelo menos um terço. Para Benjamin Attia, da Wood Mackenzie, consultora de energia, dependendo do quão rápido a queda vai incentivar a adoção da energia solar em novos mercados, este pode ser o primeiro ano desde 2000 que o setor global de energia solar sofre uma paralisia.

As restrições foram adotadas numa época em que a fonte solar de energia se torna cada vez mais capaz de competir de igual para igual, em termos de preço, com fontes mais convencion­ais, como o carvão, o gás natural e a nuclear. Países na Europa, incluindo Grã-Bretanha e Espanha, e em outros lugares também, reduziram drasticame­nte as FITs. O que suscita uma questão complicada e importante: chegamos ao fim da linha quanto aos subsídios no campo da energia solar?

A China oferece uma ilustração provável. As FITs podem desaparece­r, mas outros subsídios alternativ­os ocuparão seu lugar. Segundo analistas, a decisão chinesa foi tomada após um aumento de US$ 15 bilhões, no ano passado, do déficit do fundo de subsídios reservado para os desenvolve­dores. Cobrir a diferença sobrecarre­garia os cofres públicos.

Paolo Frankl, da Agência Internacio­nal de Energia, diz que a China iniciou um experiment­o por meio de um programa chamado “Top Runner”, como alternativ­a às FITs e que começa a se tornar popular. É um leilão reverso (no caso, a empresa interessad­a na compra diz o que deseja adquirir e convida outros fornecedor­es para que ofereçam um lance). O preço oferecido é o cobrado nos contratos de compra de energia de longo prazo (PPAs) da eletricida­de gerada.

Esses leilões tiveram propostas com valores baixos em locais com muito sol, dos EUA ao México, Abu Dhabi à Índia. Mas, na China, esses PPAs superaram as FITs. Daí o objetivo da China de incentivar mais esses leilões livres de subsídios.

Expectativ­a. Contudo alguns duvidam que as PPAs sejam melhores que as FITs e há um intenso debate se eles são um tipo de subsídio que poderia distorcer o mercado. É difícil hoje, na China e em outros lugares, construir usina elétrica sem respaldo público. As medidas adotadas pela China podem tornar o setor global mais robusto com o tempo.

Os especialis­tas do setor esperam que essa montanha-russa se encerre, mas isso deve demorar um bom tempo./TRADUÇÃO

 ?? GIULIA MARCHI/THE NEW YORK TIMES-3/12/2016 ?? Fatia. Energia solar representa 2% do total da energia global
GIULIA MARCHI/THE NEW YORK TIMES-3/12/2016 Fatia. Energia solar representa 2% do total da energia global

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