O Estado de S. Paulo

90, 94, 98, 2002...

- RUTH MANUS E-MAIL: RUTH.MANUS@ESTADAO.COM RUTH MANUS ESCREVE AOS DOMINGOS

Écurioso como Copa do Mundo é uma coisa que mexe até mesmo com quem não liga para futebol. Mesmo as pessoas que dizem que não ligam, no fundo, ligam. Alguns dizem que a Copa mexe com o nosso sentimento mais profundo de nacionalis­mo, mas eu não acho que seja isso. Acho que a Copa mexe é com as nossas memórias.

Um certo dia alguém me perguntou “onde você estava no seu aniversári­o de 14 anos?” e eu não fazia a mais pálida ideia. Na sequência, a pessoa me perguntou “e onde você estava no dia 11 de setembro de 2001?”, respondi que estava saindo da escola quando um amigo disse sabiamente “explodiram a Casa Branca e agora vão explodir a Disney”. Cheguei em casa, estávamos de mudança, me sentei em cima das caixas e fiquei assistindo àqueles horrores na TV.

Isso para dizer que há episódios que nós guardamos de forma inabalável na memória, e acho que é isso que a Copa do Mundo nos traz: lembranças. Podemos não nos lembrar de milhares de dias das nossas vidas – até de alguns infinitame­nte mais importante­s do que qualquer jogo do Brasil – mas, por alguma razão, os dias da Copa ficam guardados.

Confesso que da Copa de 90 não lembro quase nada além do que vi naquela foto que minha mãe tirou, em que estou de fralda e camisa do Brasil ao lado dos meus irmãos, na nossa antiga casa. Mas de 94 já me lembro da final, junto com meus avós na casa da tia Maria. Lembro do Gol cinza escuro do meu avô, com a bandeira do Brasil de plástico que fazia plec plec plec batendo no vidro enquanto comemoráva­mos nas ruas, indo buscar meu tio no aeroporto.

Me lembro daquele caos em 98. Estava com meus pais em Vitória, no Espírito Santo, na casa de não sei quem. Eu estava com os cabelos enfeitados por umas borboletin­has verdes e amarelas de plástico, quando disseram que o Ronaldo não iria jogar. Eu, que já gostava muito de futebol naquela época, senti meu peito se encher de tristeza, como se o coração fosse inundado pelo azul da bandeira da França.

A final de 2002, vi em casa com meus pais e meu irmão. Depois de derrotarmo­s a Alemanha, saí de carro com o meu irmão para comemorar. Lembro de estarmos na Faria Lima buzinando e festejando. Essa lembrança, em especial, me faz entender o valor da Copa. Talvez seja uma das minhas últimas lembranças de passar um tempo com alegria e sem pressa com o meu irmão, antes de vivermos a tantos mil quilômetro­s de distância.

Em 2006 eu morava em Paris e nada poderia ter sido pior do que sermos eliminados pela França. Chorei de tristeza e de vergonha com minhas amigas. Fiz um DDI carésimo para falar com a minha irmã, que me mandou parar de frescura, que era só um jogo. Ela tinha razão, mas aqueles gritos de “Allez les bleus” me tira do sério até hoje. Poucos momentos foram tão maravilhos­os para mim quanto o silêncio de Paris depois da derrota para a Itália. Eu me sentia vingada pelo Brasil nas quartas e por Portugal na semi.

Em 2010 estava em casa quando a Holanda eliminou o Brasil e eu criei minha birra eterna pelo Sneijder. Na final, estava na casa do meu ex e, embora muitas memórias daquela relação tenham ficado estragadas, o gol do Iniesta, por sorte, não foi contaminad­o.

2014 é um capítulo à parte. Assisti a Brasil e Alemanha sozinha num quarto de hotel em Madri. Por sorte, na última hora, desisti de ir ao bar da rua do hotel, por medo de arranjar encrenca com alemães (para o desgosto do meu pai, sou o tipo de pessoa que arruma briga em bar por causa de futebol). Assisti à final nos Açores, no começo do namoro com meu marido e nunca perdoei Mario Götze.

2018 será minha primeira Copa em Portugal, intercalad­a com uns dias em Oslo. Se será bom, não sei. Se vem o hexa, não sei. Mas sei que vou plantar mais meia dúzia de boas memórias para colher lá na frente. Essa é a única certeza que quero ter.

Na Copa de 2010, quando a Holanda eliminou o Brasil, criei birra eterna pelo Sneijder

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