Prepare-se para a recrutamento às cegas
Diversidade amplia rentabilidade das empresas; processo quer evitar que recrutadores escolham candidatos semelhantes a eles mesmos
Se dependesse de James Damore, ex-engenheiro da Alphabet, dona da Google, provavelmente a engenheira de software Karen Zamlutti não teria um lugar ao sol em uma das fintechs mais conhecidas do País. Ele foi demitido no ano passado depois de escrever um memorando interno onde criticava as políticas de diversidade da empresa e dizia que haveria “causas biológicas que explicam a desigualdade entre o número de homens e mulheres na indústria de tecnologia”.
Enquanto Damore foi demitido após o documento vazar na internet, Karen começou a trabalhar no Nubank há nove meses, depois de atuar como desenvolvedora de software por cinco anos. Pela primeira vez em sua vida profissional de uma década, a engenheira foi selecionada em um processo às cegas. Os selecionadores não sabiam o sexo de quem havia realizado o teste até a entrevista.
Esse novo tipo de seleção, já em uso na Europa e nos Estados Unidos, prevê que informações como nome, gênero, idade, instituição de ensino e até mesmo empresas anteriores sejam desconhecidas pelos recrutadores na maior parte do processo seletivo ou mesmo até o momento da contratação.
O Nubank, onde Karen trabalha, começou a adotar o modelo em março de 2016, principalmente para vagas de engenheiros de software e soluções móveis, mas o candidato não fica anônimo até a contração. Depois de uma primeira entrevista, os candidatos são submetidos a testes de conhecimento e lógica e avaliados sem incluir referências a suas identidades.
“Não precisei me preocupar com a roupa ou me provar por ser uma mulher programando e pude me focar somente na qualidade do meu código”, diz Karen. Segundo ela, em outros processos ao longo da carreira, os recrutadores estavam interessados em suas ideologias e posicionamento político”.
“Com uma etapa cega conseguimos eliminar o viés inconsciente e garantir os melhores profissionais, independentemente de raça, gênero ou orientação sexual”, diz a líder de recrutamento da empresa, Silvia Kihara. Em 2017, 10% dos contratados passou pelo novo processo e a empresa pretende aplicar o modelo na seleção da equipe de atendimento, que representa 60% dos funcionários.
A utilização desse modelo pode beneficiar também trabalhadores seniores. “Infelizmente é um público que sofre com discriminação”, comenta o diretor da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-SP), Luiz Eduardo Drouet. “É uma tendência natural do ser humano querer estar com pessoas parecidas e confiar em pessoas parecidas. Nas organizações, o desafio é garantir a diversidade, formar um grupo heterogêneo e complementar”, afirma.
Por quê. A tendência, segundo especialistas, não é apenas modismo. Pesquisas apontam que as empresas com maior diversidade conseguem melhores retornos. Um levantamento feito em 2016 pelo Peterson Institute for International Economics e pela auditoria Ernst & Young analisou quase 22 mil empresas de capital aberto de 91 países. O estudo revelou que as companhias em que pelo menos 30% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres têm rentabilidade até 15% maior.
Por isso, investir na diversidade não é apenas politicamente correto, mas uma necessidade e, neste contexto, a seleção às cegas busca atender a demanda. “É uma tendência”, diz Drouet. “As empresas que adotam o modelo são engajadas na agenda de diversidade e igualdade de gênero, multinacionais que trazem a prática de fora”.
Segundo a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Maria José Tonelli, a busca da diversidade é resultado da percepção de que ela traz inovação e atende ao apelo da sociedade pelo tema. “A gente está falando de diversidade de todos os tipos, de gênero, classe social, etnia, formação. O mercado não procura pessoas formadas em grandes faculdades, mas profissionais que têm interesse e perfil da empresa”, diz.
A GE Brasil aplica a seleção às cegas até o momento das entrevistas, quando três finalistas têm suas identidades relevadas e entre os selecionados deve haver pelo menos uma mulher. A líder de Talent Acquisition da GE para América Latina, Mira Noronha, diz que o método é usado nas contratações nas fábricas e técnicos de campo. “São segmentos predominantemente masculinos e notamos que ainda existe um viés inconsciente muito forte em relação à contratação de mulheres.” Com a adoção do método, houve aumento na contratação de profissionais do sexo feminino em 30%”, revela.
Para o diretor da empresa de seleção e recrutamento Hays Brasil, Raphael Falcão, existe uma discussão sobre quais informações precisam ficar em sigilo e quais são mérito do profissional. “Como tudo que ainda é muito novo, tem um período de adaptação. A discussão é até que ponto as informações podem formar um preconceito”, diz Falcão. “Se esse cara atuou em uma marca reconhecida pela formação de bons profissionais, a informação importa?”
A agência de publicidade Artplan adotou a seleção às cegas para todos os cargos. A gerente de Gestão de Pessoas da empresa, Sandra Poltronieri, conta que o objetivo é eliminar os ‘filtros mentais’ na seleção. “Na publicidade, ouvimos coisas com ‘no atendimento mulher é melhor’ ou ‘na mídia o homem é melhor’. A gente não quer esses filtros.” Ela afirma que o mecanismo também ajuda a evitar indicações e favorecimentos.
As etapas iniciais, análise de currículo, teste situacionais e, em alguns casos, avaliação de cases, são às cegas até a entrevista, quando o candidato é revelado e ocorre o primeiro contato olho no olho entre candidato e entrevistador. Sandra conta que antes da adoção do método, o processo era mais rápido e contava com a análise de currículo – para alguns cargos também o portfólio – e a entrevista.
A Cargill usou o processo no seu último programa de estágio e contratou o triplo de estudantes de faculdades classificadas com menos de quatro estrelas pela avaliação do MEC. A estudante de Direito Fernanda Araújo conta que o fato de ter o nome da faculdade omitido ajudou na sua contratação. “Não é a instituição que fará de você um bom profissional. O talento e as habilidades requeridas não se aprendem na faculdade.”
A gestora de Fernanda, a gerente tributária Flavia Baruzzi Koiffman concorda. “Uma pessoa curiosa, interessada, protagonista de suas escolhas pode estudar em qualquer universidade. Nessa fase da carreira, o estágio, entendo que o foco deve ser a pessoa, e o refinamento das competências técnicas vêm com o tempo.”