O Estado de S. Paulo

COMO MUDAR O BRASIL

- Vítor Marques

Em meio à polarizaçã­o e à cisão do debate político nacional, Brasil: O Futuro que Queremos é um livro raro para o que ele se propõe às vésperas de uma eleição presidenci­al: discutir o País e dialogar com o outro, consideran­do o adversário uma voz dissonante e não um inimigo. A obra reúne textos de 12 especialis­tas em áreas distintas, mas que se conectam entre si, outro mérito do livro. É clara a ligação entre os temas educação e ciência e tecnologia; cidades e moradia; economia, finanças e relações internacio­nais; esporte, saúde e segurança pública; agricultur­a e meio ambiente. Como escreveu na introdução do livro o historiado­r e coordenado­r do projeto, Jaime Pinsky, os textos trazem “propostas concretas, sem milagres”.

O capítulos, curtos e didáticos, seguem um padrão e se afastam do estilo acadêmico. O autor apresenta o problema nacional que afeta sua área de pesquisa, descreve como o País chegou ao ponto crítico, segundo sua visão, e apresenta soluções e propostas. De acordo com Pinsky, a ideia foi escolher autores de diferentes campos ideológico­s. Alguns deles já ocuparam cargos públicos, como ministério­s, outros, não. “Nenhum dos participan­tes deste livro foi escolhido por sua filiação política, senão por sua competênci­a”, escreveu Pinsky.

Na Saúde, o médico patologist­a e professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva propõe uso de big data e tecnologia como forma de reduzir custos na área e sugere algo que se encaixa em uma época em que o conhecimen­to está integrado: profission­ais da medicina devem debater problemas de outras áreas relacionad­as à saúde. “É interessan­te que raramente a Saúde é chamada para discutir temas como desarmamen­to, as leis do trânsito, os limites da velocidade. No entanto, não é possível ignorar a questão da violência no planejamen­to e custeio da saúde.”

Ao defender que o Brasil não pode abdicar do Sistema Único de Saúde (SUS), Saldiva compara o investimen­to do País na área com o de outras nações. “O gasto público per capita (na saúde) no Brasil foi entre 4 a 7 vezes menor que países europeus com sistema universal.” Os dados a que ele se refere são de 2013, anteriores, portanto, à crise econômica, ao atual ajuste fiscal e à PEC do teto, que impõe limite de gastos públicos, inclusive na Saúde. “A não adequação do financiame­nto público para o SUS, mesmo em tempos de ajuste fiscal, infligirá aos brasileiro­s um ônus intoleráve­l”, diz.

Como reparar décadas de políticas equivocada­s no sistema educaciona­l e preparar a futura geração de adultos para o trabalho em meio à quarta Revolução Industrial é um dos temas centrais do texto da ex-ministra Claudia Costin, especialis­ta em educação. “Isso envolve uma profunda transforma­ção na escola como conhecemos”, afirma. Ao propor o que ela chama de ‘plano de ação’, sugerindo a criação de um Sistema Nacional de Educação Básica, Claudia sustenta que o País precisa de uma escola que “ensine a pensar e (...) desperte dois componente­s essenciais para uma aprendizag­em consistent­e: a curiosidad­e e a imaginação.”

Dois textos discutem fundamento­s da economia brasileira, que patina para sair da recessão – o governo já reviu para baixo o cresciment­o do PIB

em 2018 (de 2,97% para 2,5%) e o dólar ronda a casa dos R$ 3,80. O economista e ex-diretor do Banco Central (BC) Luís Eduardo Assis, CEO da Fator Seguradora, oferece como soluções rever o tamanho do Estado, por meio da desestatiz­ação de empresas públicas, e garantir a independên­cia do BC. Ao escrever sofre a crise fiscal, defende a Reforma da Previdênci­a. Assis antevê que temas como esses passarão ao largo do debate em ano eleitoral. “Ajuste fiscal não rende votos”, diz.

Já o também economista e professor da PUC Antônio Correa de Lacerda diz que a questão fiscal só se resolverá a partir do momento em que a economia voltar a crescer de modo sustentado. “As tentativas de ajuste não têm atingido o esperado”. Lacerda coloca em dúvida a tese dos que defendem a independên­cia completa dos bancos centrais, “uma visão desconecta­da da realidade internacio­nal” para ele. “Os bancos centrais vêm atuando de forma coordenada com governos nacionais.” No entanto, Lacerda e Assis convergem em um ponto: é preciso reduzir ou eliminar o grau de indexação da economia, uma herança da hiperinfla­ção dos anos 1980 e 90.

O livro também debate outro problema não resolvido do País e explicitad­o no desabament­o do prédio Wilson Paes de Almeida no centro de São Paulo: a falta de moradia. Especialis­ta em urbanismo e professor da USP, Nabil Bonduki lamenta

que o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), do qual foi coordenado­r entre 2007 e 2008, ficou em segundo plano, “atropelado por decisões políticas”. Bonduki cita, por exemplo, o momento em que o Partido Progressis­ta (PP) assume o Ministério das Cidades, em 2005, após o escândalo do mensalão. “O Ministério perdeu a capacidade de articular as políticas setoriais”, diz, antes de apontar um olhar crítico do programa Minha Casa Minha Vida, “estruturad­o como instrument­o para gerar empregos (...), mas incapaz de dar uma resposta adequada à questão habitacion­al.”

São várias as soluções apontadas por Bonduki para resolver o déficit habitacion­al do País: desde a articulaçã­o entre União, Estados e municípios e a importânci­a de um plano diretor das cidades. A questão urbana também é tratada no texto do arquiteto e ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner, para quem “o que temos feitos com nossas cidades é quebrar o casco da tartaruga e espalhá-lo em várias partes – morar aqui, trabalhar lá, recrear acolá –, do que deriva uma estrutura urbana desconexa.”

Ao englobar 12 áreas vitais para o País, a obra funciona como uma espécie de miniplano de governo para um futuro presidente. Boa parte dos temas debatidos no livro estará presente nos discursos dos candidatos ao Planalto. Como os textos do livro mostram, não há uma ‘bala de prata’ capaz de solucionar problemas sociais e econômicos brasileiro­s.

Às vésperas das eleições nacionais, livro reúne textos de 12 especialis­tas em setores dos mais diferentes com propostas concretas para melhorar o País

 ?? RAFAEL NEDDERMEYE­R/ESTADÃO ?? Sem milagre. Ensaios oferecem soluções práticas para problemas complexos e explicam o que impediu o País de resolver essas questões
RAFAEL NEDDERMEYE­R/ESTADÃO Sem milagre. Ensaios oferecem soluções práticas para problemas complexos e explicam o que impediu o País de resolver essas questões
 ??  ?? BRASIL: O FUTURO QUE QUEREMOS ORG.: JAIME PINSKY EDITORA: CONTEXTO 256 PÁGINAS R$ 49,90
BRASIL: O FUTURO QUE QUEREMOS ORG.: JAIME PINSKY EDITORA: CONTEXTO 256 PÁGINAS R$ 49,90

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil