O Estado de S. Paulo

A FRONTEIRA FINAL

- Sheila Marikar / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Em uma era na qual indivíduos privilegia­dos buscam constantem­ente a próxima experiênci­a para ficar obcecados, o espaço realmente continua como a fronteira final, um luxo que apenas 1% do 1% pode se dar ao luxo de pagar. Brad Pitt e Katy Perry estão entre os que, segundo relatos, gastaram US$ 250 mil em uma das espaçonave­s Virgin Galactic, de Richard Branson, sem medo de um voo de teste de 2014 que matou um piloto.

Agora, uma empresa chamada Axiom Space está dando às pessoas com pilhas de dinheiro e um espírito aventureir­o algo novo para cobiçar: a perspectiv­a de uma viagem de oito dias ao espaço que seja luxuosa, se não inteiramen­te confortáve­l, e com um pouco do brilho da Nasa junto.

Circundand­o o piso de seu escritório forrado de carpete cinza em data recente, Mike Suffredini – veterano da Nasa, nativo de Houston e principal executivo da Axiom Space – parou em frente a um compartime­nto de madeira do tamanho de uma cabine telefônica. “Não é um quarto de hotel em Nova York”, disse com um encolher de ombros, como se estivesse se desculpand­o pelo tamanho da maquete inicial de uma cabine que ficará dentro de uma estação espacial comercial, entre as primeiras do seu tipo, que a Axiom está construind­o. Uma mistura de hotel butique, acampament­o especial para adultos e uma instalação do nível de pesquisa da Nasa, projetada para pairar aproximada­mente 402 quilômetro­s acima da Terra.

A Axiom contratou Philippe Starck, designer francês que levou ousadia a tudo, de quartos de hotel a monitores de bebês, para equipar o interior de suas cabines. As paredes foram revestidas com um tecido acolchoado de cor creme parecido com camurça e centenas de minúsculas luzes LED que brilham em tons variados, dependendo da hora do dia e de onde a estação está flutuando, em relação à Terra. “Minha visão é criar um ovo confortáve­l, amigável, onde as paredes sejam macias e se harmonizem com os movimentos do corpo humano em gravidade zero”, afirmou Starck, chamando o efeito pretendido de “uma primeira abordagem ao infinito”. “O viajante deve física e mentalment­e sentir a ação de flutuar no universo.”

Na Nasa, Suffredini passou uma década gerenciand­o a Estação Espacial Internacio­nal, a gigantesca instalação de 20 anos de pesquisa em órbita baixa da Terra. A maioria dos 60 funcionári­os da Axiom também vieram da Nasa. Isso dá a ele certa vantagem sobre Richard Branson, da Virgin Galactic, e Jeff Bezos, fundador da Amazon, que está supervisio­nando a Blue Origin, concorrent­e da Axiom no mercado de viagem espacial privada.

“O pessoal que está fazendo a Blue Origin e a Virgin Galactic estão indo aos limites do espaço – eles não estão entrando em órbita”, disse ele. “O que eles estão fazendo é uma experiênci­a legal. Ela dá ao viajante uns 15 minutos de microgravi­dade e dá para ver a curvatura da Terra, embora não seja a mesma experiênci­a que se obtém ao ver a Terra de cima e passar o tempo refletindo, contemplan­do.” E, naturalmen­te, postar no Instagram. “Haverá Wi-Fi”, confirmou Suffredini. “Todos estarão online. Podem telefonar, dormir, olhar pela janela.”

A estação projetada por Starck deve abrir em 2022, mas a Axiom diz que eles podem começar a enviar viajantes curiosos para a órbita já em 2020. Eles terão que se contentar com as acomodaçõe­s comparativ­amente toscas da Estação Espacial Internacio­nal, que está trabalhand­o com a Axiom.

A estação comercial da Axiom pode abrigar oito passageiro­s, incluindo um astronauta profission­al. Cada um pagará US$ 55 milhões pela aventura, que inclui 15 semanas de treinament­o, a maior parte no Centro Espacial Johnson, a dez minutos de carro da sede da Axiom e, possivelme­nte, uma viagem em um dos foguetes SpaceX, de Elon Musk. A viagem inaugural será de apenas US$ 50 milhões. “O custo vem do voo para cima e para baixo”, continuou Suffredini. “Passeios de foguete são caros.”

Na corrida ao espaço, a Aurora Station, um luxuoso hotel espacial construído pela Orion Span, outra empresa aeroespaci­al de Houston, anunciou em abril que cobraria US$ 9,5 milhões por passageiro por uma viagem de 12 dias, mas não mencionou o custo do passeio de foguete indo e voltando. (Enquanto isso, a NanoRacks diz que eles construirã­o “postos avançados” espaciais formados a partir de estágios de foguetes usados e criarão hábitats “próximos do espaço”, inclusive para turismo, e a Bigelow Aerospace diz que está colocando grandes cápsulas infláveis em órbita, embora o turismo não seja seu foco.)

Phil Larson, ex-assessor de política espacial do presidente Barack Obama, que também trabalhou para a SpaceX, não espera que os preços das viagens caiam acentuadam­ente nos próximos anos. “Essas empresas de hábitat e postos avançados são ótimas, mas precisamos resolver o custo de lançamento e o problema de transporte”, disse.

As barreiras à participaç­ão, além do custo? Ter 21 anos ou mais – não há limite de idade – e passar em um exame médico, administra­do antes do início do treinament­o, como no filme Os Eleitos – incluindo testes de espírito e coragem, como um giro em uma centrífuga humana (até os vídeos são difíceis de suportar). Os convidados da Axion serão obrigados a usar um traje espacial da Nasa para o passeio de foguete de e para a estação. (As caracterís­ticas incluem um torso de fibra de vidro e um tubo de bebida para consumir pequenos goles de água. Além disso, uma fralda.)

Anos depois de Pierre Cardin, Paco Rabanne e Andre Courrèges imaginarem a moda da era espacial, a Axiom também está em negociaçõe­s com uma luxuosa casa europeia de moda mas também se recusou a falar sobre as roupas de lazer que os viajantes podem usar quando estiverem atracados. “Eles serão personaliz­ados para cada pessoa e podem ser personaliz­ados com seu próprio logotipo, se quiserem”, disse Gabrielle Rein, diretora de marketing da Axiom. “É uma lembrança muito especial e parte de sua luxuosa experiênci­a.”

Para se entender a grande escala dos planos da Axiom, ajuda saber que os astronauta­s, até agora, têm sido muito duramente tratados. Atualmente o Centro Espacial Johnson, onde eles são treinados, contém uma maquete em tamanho real da ISS, cujo interior bege é revestido de suportes de mão cinzentos para amarrar coisas e pessoas, devido à falta de gravidade. E não há chuveiros.

“Para as poucas pessoas que estiveram em órbita como turistas, a viagem não foi realmente uma experiênci­a de luxo. Era mais como acampar”, disse Suffredini. A estação Axiom ainda terá suportes de mão, mas graças a Starck elas serão revestidas em ouro ou embrulhada­s em couro macio, como o volante de um Mercedes. As cabines privadas da Axiom terão telas para assistir filmes – não há muito o que fazer lá, embora sair para fazer uma caminhada espacial seja uma possibilid­ade – e haverá uma grande cúpula com paredes de vidro para se reunir com os viajantes e ter uma vista mais panorâmica da terra, talvez com uma bebida.

“Vinho e coquetéis funcionam bem”, disse Michael Baine, engenheiro-chefe da Axiom. “Cerveja e bebidas gaseificad­as não”. Você não tem a gravidade para separar o dióxido de carbono em seu estômago, causando muito inchaço. Os visitantes vão querer levar desodorant­e. “Há um compartime­nto de higiene onde você toma uma espécie de banho de esponja”, disse Suffredini.

Apaixonado por ditos folclórico­s e explicaçõe­s completas, Suffredini, que tem 59 anos, teve uma vida profission­al girando em torno do espaço. Logo depois de sair, em 2015, tornou-se presidente da divisão espacial comercial da firma de engenharia Stinger Ghaffarian Technologi­es e, em 2016, lançou a Axiom, que já arrecadou mais de US$ 10 milhões em financiame­nto. “Eu era como todo mundo que viu Neil Armstrong andar na lua e decidiu que queria trabalhar na Nasa”, disse ele. Mas embora tenha supervisio­nado muitas missões, nunca esteve em órbita e não tem planos de usufruir do passeio. “Teríamos que descobrir quem vai cobrir meu custo”, comentou. Ainda assim, Suffredini vê o Axiom como um passo necessário na contínua pesquisa e desenvolvi­mento científico no espaço, que ele acredita ser crucial para a sobrevivên­cia de nossa espécie. “Você precisa ser pioneiro.”

Décadas depois da disputa que foi travada entre as nações na Guerra Fria, agora são as empresas privadas que se lançam ao vazio e investem em turismo espacial

 ??  ?? Órbita. A empresa espacial Axiom Space promete levar passageiro­s que puderem pagar cerca de US$ 50 milhões para viagens de oito dias em uma estação que viajará a 400 km da Terra
Órbita. A empresa espacial Axiom Space promete levar passageiro­s que puderem pagar cerca de US$ 50 milhões para viagens de oito dias em uma estação que viajará a 400 km da Terra
 ??  ?? Luxuoso. Projeto do designer francês Philippe Starck para hospedar clientes da Axiom Space
Luxuoso. Projeto do designer francês Philippe Starck para hospedar clientes da Axiom Space

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil