O Estado de S. Paulo

Inês Schertel

Desenho ancestral

- Marcelo Lima / REPORTAGEM

Da longa convivênci­a da designer com a lã nascem objetos contemporâ­neos mas feitos a partir de uma técnica milenar

Os objetos criados pela gaúcha Inês Schertel apresentam a lã em sua forma mais bruta e crua. “Faço uso de camadas justaposta­s. Desta forma, as texturas produzidas pela feltragem ficam ainda mais evidentes”, conta a designer, que no final deste mês apresenta sua mais nova coleção na feira MADE, no Pavilhão da Bienal do Ibirapuera. “A lã é um material natural, renovável, biodegradá­vel e totalmente sustentáve­l, já que não esgota recursos naturais. Não lhe faltam qualidades”, como ela pontuou nesta entrevista exclusiva ao Casa.

• Como você se envolveu com a lã?

Quando vim morar em São Paulo, há 30 anos, compramos um campo no Sul, em São Francisco de Paula (RS), e começamos a criar ovelhas pra a viabilizar o investimen­to. Todos os anos, em dezembro, é necessário se fazer a tosquia para que as ovelhas sigam saudáveis. Eu via aquela lã e ficava encantada, querendo fazer algo, mas achava que não conseguiri­a já que as agulhas nunca foram meu forte. Até que um dia conheci a tradição de feltragem da lã e, desde então, não parei mais. A ponto de, há cinco anos, eu decidir me transferir definitiva­mente para o campo.

• Em que consiste a feltragem manual?

Trata-se do processo de tecelagem mais antigo da humanidade, embora, na verdade não dê origem a um tecido. Antes mesmo de surgir o fio e de inventarem o tear, os antigos manipulava­m

a lã das ovelhas. A técnica que uso é exatamente a mesma usada há 4 mil anos. A lã é massageada e friccionad­a ate que as fibras encolham e, por fim, se agarrem, dando origem ao feltro manual. A única diferença é que uso água e sabão para massagear as fibras, enquanto na antiguidad­e acredita-se que usavam o soro do leite. Independen­temente do tipo de objeto ou peça, uso sempre a feltragem em minhas criações. Me fascina poder reutilizar um material tão nobre, não mais necessário as ovelhas e, ao mesmo tempo, de certa forma homenagear uma tradição milenar, por meio de algo fresco e contemporâ­neo.

• Você participa de todas as etapas da produção de suas peças, da obtenção da matéria-prima até a manufatura. Como se dá o processo de criação?

Eu faço questão de participar de todas as etapas. Penso que cada uma delas tem seu tempo e importânci­a e merece ser vivida intensamen­te, por isso resolvi chamar meu processo de ‘slow design’. Começa que minhas ovelhas são criadas em campo nativo e eu mesma me encarrego do pastoreio. Para não machucá-las, a tosquia é a única etapa da produção que é feita por outro profission­al, apesar de eu acompanhar a seleção final da lã. Depois, chega o momento do beneficiam­ento, quando ela é lavada para se retirar a lanolina e também ter seus fios penteados, para que fiquem todos no mesmo sentido. A partir daí, a matéria-prima está pronta para ser usada.

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FOTOS: FIFI TONG A designer Inês Schertel junto a uma de suas criações e, abaixo, o assento Montoeira
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bO cesto Medonho e, à direita, o tapete Graxaim, duas das peças da nova coleção

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