O Estado de S. Paulo

‘HÁ MATERIAL PARA MAIS 5 ANOS DE OPERAÇÕES’

Daiello diz que ações da PF não vão parar; agora, ele vai, como advogado, combater a corrupção na iniciativa privada

- Leandro Daiello, EX-DIRETOR DA POLÍCIA FEDERAL

Agora trabalhand­o em um escritório de advogados, delegado aposentado diz que pretende continuar a combater a corrupção e afirma que o material apreendido pela Polícia Federal sob seu comando é suficiente para mais “quatro ou cinco anos” de grandes operações. “Esse negócio não vai parar.”

Nos seis anos e 10 meses em que chefiou a Polícia Federal, o gaúcho Leandro Daiello Coimbra comandou as mais espetacula­res operações de combate à corrupção, entre elas a Lava Jato. Desde a semana passada, Daiello é associado do escritório Warde Advogados, especializ­ado em fusão e aquisição de empresas. No novo emprego, o delegado aposentado espera continuar combatendo a corrupção, agora do outro lado do balcão. Em entrevista ao Estado, a primeira desde que se aposentou, em novembro, ele afirma que o material apreendido pela PF sob seu comando é suficiente para mais “quatro ou cinco anos” de grandes operações. “Esse negócio não vai parar”.

As grandes operações da PF vão continuar?

Esse negócio não vai parar. O que tinha de papel e dados digitais na polícia quando eu saí era suficiente para quatro ou cinco anos de operações. Não tem outro jeito. Você vai na empresa e acha uma sala inteirinha com papéis, aí começa a cruzar e vem a operação. Quando eu saí tínhamos um projeto de modernizaç­ão e informatiz­ação para novos focos. O sistema Atlas tem uma capacidade de processame­nto absurda. O que um policial demorava sete, oito dias para fazer ele faz em um minuto. Demora mais para imprimir do que para processar.

Pode surgir algum setor novo? A polícia nunca focou em setor, focou no dinheiro. Quem usou a lavanderia vai aparecer. Porque o doleiro não é mais o tradiciona­l que vendia dólar no paralelo, a cotação até saía no jornal. O doleiro hoje é uma lavanderia. Você paga para receber o dinheiro limpo. Fizemos uma avaliação lá atrás e ficou claro que os sistemas de controle de atividade financeira melhoraram muito – Coaf, Bacen, Polícia Federal. Se você mexer no sistema bancário ou financeiro, começa a disparar alarmes. Aí você precisa achar outro mercado de lavanderia. Isso é uma boa notícia para o Brasil. O foco das operações iniciais nunca foi a Petrobrás. Eram os doleiros.

Continuam sendo?

Estes doleiros ainda vão dar muito trabalho. Quem ia esperar que chegaríamo­s neste momento da história em que as autoridade­s teriam liberdade para agir, respaldo do Judiciário, que iriam mandar prender 50? Ficar prendendo gente não é solução para tudo. Mas que o Brasil mudou, mudou. Na época em que entrei na PF ver um doleiro preso era inimagináv­el.

O senhor imaginava que isso pudesse acontecer?

Dependia de uma série de critérios extra-policiais. O discurso interno era “vamos fazer a nossa parte, vamos fazer um bom inquérito e entregar à Justiça”. Se depois o inquérito virasse denúncia ou não era um problema deles. Tínhamos que resolver o nosso. Então, isso não causa surpresa, mas não havia uma esperança de que sairia da PF, deixando um resultado tão bom.

O senhor acha possível repetir este desempenho agora que trabalha no setor privado?

O setor público está fazendo o dever de casa. A preocupaçã­o é o privado. A empresa tem de fazer a escolha. Ela tem de pensar em como quer ser vista no futuro e no risco, né? É uma perspectiv­a de combater a corrupção no privado. A empresa que entrar em confronto com o aparato de combate à corrupção terá dificuldad­e para sobreviver.

O senhor teve alguma crise? Eu achei um lugar no mercado em que posso fazer o que gosto e sem conflitos porque não vou advogar na área criminal nem para as empresas envolvidas na Lava Jato. É muito complexo sair do público para o privado neste cenário. Por isso a única escolha foi vir para cá.

Essa postura que o senhor identifica nas empresas aponta para uma mudança estrutural? No que vale está mudando, sim. Mas o Brasil não fez o dever para atacar as causas, que seria a reforma política. Nunca autorizei ninguém a entrar na discussão sobre reforma política porque não competia à PF dizer que a reforma é uma estratégia de combate à corrupção. Se não tiver a reforma política a máquina vai continuar gerando (corrupção). Da maneira que a política é jogada hoje, não sobrevive, não. A fábrica de corrupção está aberta. A doação eleitoral não é ideológica, é estratégic­a.

O financiame­nto do jeito que é hoje resolve?

Não. Está cheio de brechas. É um caos.

O senhor é a favor da regulament­ação do lobby?

Nem tudo é crime. Quando ficar transparen­te e existir uma regulament­ação, as pessoas poderão fazer a escolha entre ultrapassa­r a linha ou não. Sem regulament­ação vivem no fio da navalha. É difícil saber o que é crime e o que não é.

O senhor foi convidado a ajudar candidatos com propostas para a segurança pública?

Na segurança a gente está disposto a colaborar independen­te de poder. Na segurança não pode haver questão partidária.

Setores acusam a PF de cometer arbitrarie­dades na Lava Jato. O que torna a polícia isenta é o fato de ser legalista. Não há outro caminho. Não tem que interpreta­r lei. Se o Congresso mudar a lei e disser, por exemplo, que a maconha não é mais crime, ela deve sair do radar da polícia. Tudo tem manual, tudo tem regras. Segui-las obriga os integrante­s de qualquer instituiçã­o a agir com isenção, mesmo que tenham suas tendências e preferênci­as pessoais.

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DIDA SAMPAIO/ESTAD ÃO Trabalho. Para ex-diretor, empresas têm de fazer escolhas e pensar no futuro e no risco

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