O Estado de S. Paulo

O custo de decisões equivocada­s

- JOSÉ GOLDEMBERG EX-REITOR DA USP, FOI SECRETÁRIO DA SECRETARIA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA PRESIDÊNCI­A DA REPÚBLICA

Há séculos se debate o papel que grandes líderes têm em definir o curso da História. De modo geral, são as circunstân­cias históricas que fazem surgir grandes figuras cuja ação consolida (ou destrói) as estruturas econômicas ou sociais existentes.

Napoleão é um bom exemplo. Brilhante oficial do exército, acabou consolidan­do os avanços da Revolução Francesa de 1789, que varreu a monarquia da França e de vários países da Europa e com sua mensagem de “igualdade, liberdade e fraternida­de” estimulou movimentos republican­os no mundo todo, inclusive na América Latina, com Simón Bolívar.

Contudo o papel de Napoleão como defensor das ideias de revolução se desvaneceu quando ele se tornou imperador e instalou seus parentes como reis nos países da Europa que os exércitos franceses conquistar­am. Para os especialis­tas, isto não foi uma grande surpresa. Ainda como tenente do exército Napoleão leu O Príncipe, de Maquiavel, e seus comentário­s nas margens do livro revelam bem os instintos e ambição exagerados que revelou como imperador.

O que esse exemplo mostra é que as forças da História abrem lugar para líderes, mas a competênci­a e o caráter desses líderes tem papel fundamenta­l nas consequênc­ias de suas ações. Churchill, o primeiro-ministro inglês que enfrentou quase sozinho a fúria avassalado­ra de Hitler, tinha credenciai­s muito discutívei­s como aristocrat­a colonialis­ta, mas acabou exercendo com enorme brilhantis­mo a liderança de seu país e das outras nações que acabaram levando à destruição do nazismo.

No plano interno tivemos líderes como Getúlio Vargas, que chegou ao poder em 1930 no bojo da Revolução Tenentista, que revelou mais tarde tendências autoritári­as misturadas com nacionalis­mo. A criação da Petrobrás e da Eletrobrás foram algumas das boas ideias que implemento­u, porque refletiram a visão de que nos países em desenvolvi­mento o Estado tem papel essencial em tornar viáveis grandes investimen­tos em infraestru­tura.

No caso da Eletrobrás isso foi feito com sucesso com o apoio de empréstimo­s do Banco Mundial, mas passada essa etapa deixou de ter sentido manter nas mãos do Estado empreendim­entos que se tornam puramente comerciais ou cabides de empregos.

O caso da Petrobrás foi um pouco mais complicado. A fase positiva foi o desenvolvi­mento dos campos petrolífer­os na plataforma continenta­l, na Bacia de Campos, e no pré-sal, a grandes profundida­des, que abriu uma nova fronteira tecnológic­a na exploração do petróleo e levou o País à autossufic­iência na extração de petróleo bruto.

O refino do petróleo para produção de óleo diesel e gasolina não teve, porém, o mesmo sucesso. Após o ano 2000, contudo, o governo federal (e a própria Petrobrás) foi dominado por um novo surto nacionalis­ta, baseado na ideia errônea de que o valor de uma empresa de petróleo é determinad­o pelas reservas que estão debaixo da terra, e não pelo petróleo que extrai e vende.

Esta era a visão nas empresas petrolífer­as do mundo todo no passado, quando se acreditava que a era do petróleo duraria apenas algumas décadas, porque as reservas eram finitas. Era melhor, então, guardar o petróleo para o futuro, quando haveria falta dele e o preço aumentaria, pelo aumento da competição. Hoje a situação mudou: estamos agora numa era de abundância de petróleo, por três razões:

• A produção de petróleo nos EUA usando uma nova tecnologia (fracking). O país, que era um grande importador de petróleo, deixou de sê-lo.

• A exploração a grandes profundida­des no oceano está sendo feita não só no Brasil, como em outros países do mundo.

• O consumo de petróleo está diminuindo porque os automóveis ficaram mais eficientes e, aos poucos, carros elétricos estão sendo introduzid­os em alguns países.

É por isso que os preços do petróleo estão caindo e não se acredita que voltem ao patamar de US$ 100 por barril, ou mais. Ao contrário, muito provavelme­nte cairão para US$ 40 ou US$ 50 o barril.

Nada mais natural, portanto, do que acelerar a produção em associação com as empresas internacio­nais e aproveitar as próximas décadas para vendê-lo, antes que outros avanços tecnológic­os reduzam ainda mais o consumo de petróleo. A política adotada pelo governo Dilma de não realizar, durante sete anos, licitações para exploração de petróleo no pré-sal foi um erro de proporções históricas, que só agora está sendo corrigido.

Junto com a política demagógica de manter baixos os preços dos derivados de petróleo, quando seu custo aumentou no exterior, causou mais prejuízos à Petrobrás do que toda a corrupção nessa empresa.

Esse é um caso claro de liderança incompeten­te que não entendeu as tendências mundiais e acabou por nos levar a ser um país que descobriu grandes reservas de petróleo no fundo do oceano e que correm o risco de lá ficar.

Há precedente­s desse tipo no Brasil: após a 2.ª Guerra Mundial (1939-1945) energia nuclear passou a ser desenvolvi­da para fins pacíficos e uma das rotas tecnológic­as para tal era o uso de tório, de que havia vastas reservas nas areias das praias do Espírito Santo (areias monazítica­s). O governo federal da época caracteriz­ou essas reservas como estratégic­as e proibiu sua exportação.

O lógico seria, então, iniciar um programa de sua utilização numa linha tecnológic­a de reatores nucleares usando tório, como foi proposto na ocasião pelo físico mineiro José Israel Vargas. Mas isso não foi feito e as reservas de tório continuam lá até hoje, nas praias do Espírito Santo.

As oportunida­des do uso de recursos minerais não duram para sempre e se não forem aproveitad­as na ocasião adequada podem deixar de existir.

As oportunida­des do uso de recursos minerais não duram para sempre...

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil