O Estado de S. Paulo

E a economia, senhores pré-candidatos?

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

Não é novidade que a crise fiscal brasileira é grave, não só pelos gigantesco­s déficits primários que vêm sendo registrado­s, ano após ano, como também pelo fato de que as restrições constituci­onais à gastança, a saber, o teto de gastos e a regra de ouro, dificilmen­te serão cumpridas, já a partir do ano que vem. Claro, o governo pode propor a revogação ou a flexibiliz­ação desses limites constituci­onais, mas isso seria um enorme retrocesso e provocaria deterioraç­ão adicional das expectativ­as. Sabe-se também que a crise fiscal eleva o nível de incerteza dos agentes econômicos, o que inibe investimen­to e consumo. Ou seja, o ajuste fiscal é condição necessária, se bem que não suficiente, para a retomada do cresciment­o sustentado da economia.

Com exceção de alguns economista­s de esquerda, que não aprendem com os erros do passado, como por exemplo, Marcio Pochmann, um dos formulador­es do programa de governo do PT, há consenso em relação ao diagnóstic­o aqui esboçado. No entanto, nenhum dos pré-candidatos com chances reais de chegar ao segundo turno fez qualquer manifestaç­ão clara quanto às medidas econômicas que pretende adotar caso seja eleito. No máximo, alguns de seus assessores têm se pronunciad­o em entrevista­s à imprensa. Vale a pena comentar algumas dessas proposiçõe­s, principalm­ente as divulgadas pelo economista Mauro Benevides Filho, assessor de Ciro Gomes, que foi quem mais detalhou as ideias sobre a política fiscal.

O grande mérito de Benevides foi reconhecer a gravidade do problema ao afirmar que “sem ajuste, o Brasil vai à bancarrota”. Suas propostas, no entanto, parecem inconsiste­ntes.

Benevides propõe a volta da taxação, na pessoa física, de lucros e dividendos, isentos de Imposto de Renda desde 1995. A proposta faz sentido para melhorar a equidade tributária, mas o efeito sobre a arrecadaçã­o tende a ser bem inferior aos R$ 52 bilhões estimados pelo economista. Antes dessa isenção, era comum a distribuiç­ão disfarçada de lucros, prática de difícil fiscalizaç­ão. São os famosos “fringe benefits”, isto é, pagamentos feitos pela empresa de despesas particular­es ou de compra de ativos efetuadas por seus sócios ou administra­dores. Talvez fosse mais efetivo revogar a excêntrica dedutibili­dade dos juros sobre o capital próprio da base de cálculo do Imposto de Renda das pessoas jurídicas.

Benevides também propõe a volta temporária da CPMF, mas cobrada apenas das grandes transferên­cias financeira­s, superiores a R$ 3 mil ou R$ 4 mil. Segundo ele, isso teria “o charme” de deixar 86% da população fora do tributo. Tal proposta não é charmosa, mas sim enganosa, pois a CPMF incorpora-se ao custo dos produtos nas várias etapas do processo produtivo, sendo paga, em última instância, pelos consumidor­es finais.

Para a Previdênci­a Social, o assessor de Ciro Gomes propõe a criação do regime de capitaliza­ção para os benefícios superiores a três salários mínimos, ideia, de certa forma, também defendida por André Lara Resende, um dos coordenado­res de economia da campanha da pré-candidata Mariana Silva. O problema é que nenhum deles explica como seria coberto

O ajuste fiscal é condição necessária para a retomada do cresciment­o sustentado da economia

o custo de transição, ou seja, a queda de arrecadaçã­o do INSS decorrente da transferên­cia de trabalhado­res para o novo regime.

Benevides chama de temas polêmicos a Lei de Responsabi­lidade Fiscal, o teto de gastos e a regra de ouro, pois “tudo está centrado no resultado primário”. Prefere a fixação de um teto para a dívida pública, como nos EUA, o que me parece inadequado, pois o Congresso sempre se verá forçado a elevar esse teto, para não paralisar o governo.

Em resumo, ainda não se tem ideia do que os pré-candidatos pretendem fazer para lidar com a grave crise fiscal brasileira. E as poucas propostas reveladas por alguns de seus assessores carecem de maiores detalhamen­tos técnicos.

ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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