O Estado de S. Paulo

Após Lava Jato, FI-FGTS mudará forma de investir

Com 15% do capital aportado em empresas investigad­as, fundo deve passar a aplicar apenas em papéis registrado­s no mercado de capitais

- Murilo Rodrigues Alves Fabio Serapião / BRASÍLIA

Com 15% da carteira de R$ 31,8 bilhões do FI-FGTS investidos em grupos investigad­os pela Justiça por práticas de corrupção, a Caixa vai propor a reformulaç­ão do processo de investimen­to nas companhias que recebem aportes do fundo, que usa parte do dinheiro dos trabalhado­res. A ideia é buscar apenas aplicações no mercado de capitais, com mais regulação e mais transparên­cia.

Com R$ 7 bilhões em caixa para investir em saneamento, aeroportos, hidrovias, ferrovias, portos, rodovias e energia neste ano, o fundo não libera nenhum centavo desde 2017, depois de se tornar foco da Operação Lava Jato.

No novo modelo, serão adquiridos apenas papéis registrado­s na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, e na Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM), limitados em até 25% da emissão feita pela empresa. A reformulaç­ão do modus operandi da alocação dos recursos precisa ser aprovada pelo conselho curador do FGTS e a meta é que o novo modelo seja totalmente implantado para a escolha de novos investimen­tos até o final deste ano.

Para o vice-presidente de Administra­ção e Gestão de Ativos de Terceiros da Caixa, Flávio Arakaki, a reformulaç­ão acaba com a figura do intermediá­rio, que se colocava como aquele que podia facilitar ou complicar a vida das empresas que têm interesse nos recursos. “O fundo não pode ser uma singularid­ade no mercado, pois idiossincr­asias geram distorções de todos tipos. O modelo de atuação tem de estar parecido com o do mercado e o mais impessoal possível”, afirma Arakaki. “As condições e o cronograma da emissão serão estabeleci­dos através de oferta pública, de forma equânime e transparen­te para todos os investidor­es interessad­os.”

Antes, a Caixa – que administra o fundo, criado no governo Lula para investimen­tos em projetos de infraestru­tura – selecionav­a as propostas, fazia uma análise prévia e apresentav­a os projetos para o comitê de investimen­to, formado por representa­ntes do governo, dos trabalhado­res e de confederaç­ões patronais. Com o primeiro aval do órgão, a Caixa estruturav­a a operação para ser novamente submetida ao órgão.

Em 2017, isso já mudou. O banco aderiu à chamada pública para definir quem recebe os recursos. O chamamento público estabelece critérios impessoais e transparen­tes para a seleção dos projetos. No entanto, não há necessidad­e de todas as operações serem realizadas em Bolsa. As mudanças tornam mais difícil o favorecime­nto de empresas com acesso direto a executivos da Caixa ou a políticos que costumam fazer indicações para os cargos de chefia no banco e no comitê de investimen­to que administra os recursos do fundo.

Transparên­cia. Já que vão ocorrer pela Bolsa e pela CVM, as negociaçõe­s poderão ser acompanhad­as por qualquer interessad­o e será possível ver a rentabilid­ade de cada investimen­to a qualquer momento, uma vez que estará diariament­e marcado a mercado (o preço reflete a taxa de juros que ele deve auferir a partir do instante de consulta até o vencimento). Isso não é possível no modelo atual, que permite ao fundo entrar

“Como todas as operações serão feitas em mercado público, haverá como se confrontar as informaçõe­s divulgadas pelo fundo.” FlávioArak­aki

VICE-PRESIDENTE DA CAIXA

como sócio – com até 40% do valor do negócio ou R$ 1 bilhão – até mesmo em empresas de capital fechado.

“Como todas as operações serão feitas em mercado público, haverá como se confrontar as informaçõe­s divulgadas pelo fundo”, afirma Arakaki. A Caixa também criará um portal de transparên­cia chamado Radar FI-FGTS para colocar informaçõe­s sobre os investimen­tos, além das exigidas pela lei.

O consultor de infraestru­tura Claudio Frischtak, da Inter.B, considera esse o ponto positivo do novo modelo, diferentem­ente da forma como são aplicados os recursos atualmente, sem que seja possível acompanhar o retorno de cada ativo. “O mercado dá transparên­cia, ainda que tenha distorções”, afirma. “É preciso mudar, porque o modelo atual acabou favorecend­o esses atos de corrupção. Ainda que não esteja acontecend­o nada agora, ninguém garante que as mesmas práticas não continuem no futuro”, diz.

Para Frischtak, a gestão do FIFGTS deveria ser dada a instituiçõ­es privadas, que concorreri­am em uma licitação para administra­r a carteira. “Os trabalhado­res precisam ter um retorno razoável e a garantia que os recursos serão aplicados da melhor forma possível”, afirma.

Além de financiar projetos de infraestru­tura, o FI-FGTS foi criado também com o objetivo de melhorar a rentabilid­ade do FGTS (de 3% ao ano mais a Taxa Referencia­l – TR). Pelas regras do fundo, a rentabilid­ade de referência é de 6% ao ano, mais a TR. A rentabilid­ade prévia do ano passado é de 6,7%, mas o resultado consolidad­o ainda não foi fechado.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

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