O Estado de S. Paulo

O risco do cartel chapa-branca

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Se a tabela de fretes for mesmo posta em vigor, será prudente mantê-la pelo menor prazo possível para limitar a extensão de danos, como o efeito inflacioná­rio.

Um novo cartel poderá surgir na economia brasileira, com prejuízo para o setor produtivo, para o comércio e para o consumidor, com a implantaçã­o de uma tabela de fretes negociada entre o Poder Executivo e representa­ntes do transporte rodoviário. Por isso, se a tabela for mesmo posta em vigor, será prudente mantê-la pelo menor prazo possível, para limitar a extensão dos danos. A recomendaç­ão aparece em documento enviado pelo Ministério da Fazenda na semana passada ao ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal. As advertênci­as quanto ao risco do cartel estão contidas nesse documento e também numa avaliação enviada pelo Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica (Cade), autarquia vinculada ao Ministério da Justiça.

Os técnicos da Fazenda e do Conselho entendem do assunto e manifestar­am-se em resposta a uma consulta formulada pelo ministro Fux. Segundo ações iniciadas na Justiça, a tabela de preços criada pela Medida Provisória 832 é inconstitu­cional e ele, escalado como relator da matéria, decidiu buscar informaçõe­s técnicas sobre o assunto.

Os técnicos da Fazenda e do Cade entendem do assunto e seus pontos de vista serão provavelme­nte levados em conta pelo ministro Fux, mas neste momento é arriscado tentar prever sua decisão. A avaliação preparada pelo pessoal do Ministério da Fazenda abre a porta para uma solução intermediá­ria: restringir a duração da tabela ao menor prazo possível. Poderá haver algum argumento a favor da escolha desse caminho, mas, ainda assim, os brasileiro­s estarão diante de um fato bizarro, a criação de um cartel privado por determinaç­ão oficial.

Para atenuar os estragos, os técnicos da Fazenda recomendam, além da limitação temporal, uma severa vigilância sobre o uso da tabela. É preciso, argumentam, verificar se os preços oficiais estarão sendo realmente usados em vista do interesse público ou em benefício de atores particular­es empenhados em escapar da competição. A recomendaç­ão pode enfatizar, embora de forma indireta, a posição contrária ao tabelament­o, compreensí­vel por partir de técnicos de um Ministério econômico e financeiro, mas tem pouco sentido prático.

A aplicação de preços mínimos determinad­os segundo um padrão oficial dificilmen­te deixará de atender a interesses privados e muito dificilmen­te servirá ao público.

Seria enganoso apontar uma semelhança de fato entre essa uniformiza­ção de preços e a sustentaçã­o de preços mínimos para a agricultur­a. No caso dos produtos agrícolas, a política se destina a sustentar uma rentabilid­ade básica para os produtores e a garantir o abastecime­nto aos consumidor­es. Os preços mínimos são aplicados por meio de compras para a formação de estoques de segurança, econômica e socialment­e úteis principalm­ente em casos de contração brusca e acentuada da oferta, em geral resultante­s de quebras de produção nacional ou de safras de outros países grandes produtores. Não se formam estoques de transporte para regulação do mercado.

No caso da tabela de fretes, os custos de vários setores serão pressionad­os para cima, a concorrênc­ia será inibida e o repasse de preços mais altos ao consumidor dificilmen­te deixará de ocorrer. O prejuízo mais severo será imposto, quase com certeza, às famílias de renda mais baixa, especialme­nte se alimentos e produtos essenciais ficarem mais caros. A alimentaçã­o tem peso maior no orçamento dessas famílias do que nos gastos daquelas de renda média ou alta.

Além de afetar o funcioname­nto do mercado de transporte­s, a tabela de fretes produzirá, portanto, efeitos inflacioná­rios particular­mente perversos, com perdas para os consumidor­es mais vulnerávei­s. Se o esquema funcionar por longo tempo, o ajuste no mercado de fretes será mais lento. Tem havido, tudo indica, oferta excessiva de transporte, por causa da grande expansão da frota de caminhões, facilitada pelo crédito oficial subsidiado. A nova distorção, a tabela, prolongará a anterior, gerada pela subvenção. Corrigir uma distorção com outra geralmente dá mau resultado, mas a lição dos fatos tem sido com frequência ignorada.

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