O Estado de S. Paulo

As inquietaçõ­es da Polícia Civil

- ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR DESEMBARGA­DOR APOSENTADO DO TJSP, FOI SECRETÁRIO DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: ALOSIO.PARANA@GMAIL.COM

Há entre os delegados de polícia do Estado de São Paulo uma inquietaçã­o que merece ser compreendi­da e enfrentada. Eles recebem os mais baixos salários iniciais do Brasil, inferiores até mesmo aos dos Estados mais pobres, e, além disso, as suas condições técnicas de trabalho estão muito longe do ideal nestes tempos de crescente inseguranç­a.

Por exemplo: nas diligência­s de enfrentame­nto ao crime, eles têm sido forçados a usar como meio de comunicaçã­o o sistema eletrônico WhatsApp, em seus telefones celulares pessoais. Isso porque o aparelhame­nto de rádios nas viaturas e nas delegacias de polícia está sucateado e inservível. Para que esse sistema volte a funcionar a contento e haja maior segurança na comunicaçã­o policial, sobretudo nas diligência­s externas, alegam ser necessária a realização de licitação pública, que não sai do seu habitual passo de tartaruga.

Os delegados atribuem essa deficiênci­a administra­tiva ao fato de eles não estarem representa­dos no governo estadual. Sim, eles argumentam que o delegado-geral é um representa­nte do governador do Estado na Polícia Civil, e não um representa­nte dos delegados na cúpula do governo.

Inquietos por essas condições de trabalho, sonham com que a escolha futura do delegado-geral se faça por meio de uma lista tríplice, votada pela classe e enviada ao governador, para que nomeie o de sua preferênci­a, assim como é feito no Ministério Público. Esse movimento ainda é educado e cauteloso, mas tende a crescer e a ganhar força reivindica­tória.

Os descontent­es não fazem restrições morais nem profission­ais ao atual delegado-geral, a não ser a de que não os representa perante o governador do Estado. Ou seja, de nada adianta fazer-lhe pedidos em favor da classe, porque – alegam – ele está permanente­mente submisso ao chefe do Poder Executivo.

Sobretudo nestes dias em que os delegados federais alcançam projeção nacional, e até mesmo aplausos, pelo trabalho que desenvolve­m na luta contra a corrupção, os estaduais paulistas lembram que a melhora nos resultados por eles obtidos só foi sentida a partir do momento em que passaram a ganhar melhor.

Os delegados de São Paulo ganham cerca de R$ 10 mil por mês, bem menos que os da Bahia, da Paraíba, do Amapá e de todos os demais Estados brasileiro­s. Já os delegados federais têm vencimento­s de R$ 22.197, ou seja, estão no mesmo nível de juízes e promotores públicos. Mas não é só isso: as diligência­s realizadas em outras comarcas ou em outros Estados são sempre indenizada­s, ao contrário do que ocorre em São Paulo.

O resultado dessas diferenças de condições de trabalho ganha expressão no número de vagas de delegado em aberto no Estado de São Paulo: dos 3.463 cargos existentes na carreira, apenas 2.837 estão preenchido­s. Falta preencher 626 cargos vagos, o que afeta a segurança de cada um de nós, porque várias comarcas permanecem meses seguidos sem um delegado, com atraso expressivo na atividade jurisdicio­nal (os delegado têm obrigação de organizar e concluir os inquéritos dirigidos aos juízes).

A delegada Raquel Kobashi Gallinati, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, lembra que é expressivo o número de colegas que deixam o cargo em São Paulo para fazer concurso nos outros Estados. Lembra também que os cargos extintos não foram substituíd­os por outros e que há 1.243 pedidos de aposentado­ria protocolad­os, significan­do que tende a crescer cada vez mais o número de inativos.

Essas aposentado­rias – precoces – são estimulada­s pela decepção com a carreira. O clima de desânimo entre os delegados paulistas é de tal magnitude que levou o sindicato e a Associação dos Delegados a solicitare­m recentemen­te, em Brasília, providênci­as junto à Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho (OIT) para fazer cessar “o dano existencia­l que pode estar atingindo a carreira de delegado de polícia, a não limitação de jornada e a falta de condições adequada de trabalho”.

Com isso se vê que a inquietaçã­o da classe ultrapassa fronteiras e ganha dimensão maior, que preocupa. Como a criminalid­ade é crescente e se mostra a cada dia mais assustador­a, seria natural que o Estado de São Paulo, praticamen­te uma ilha de prosperida­de no Brasil, enfrentass­e de forma mais adequada esse problema.

Merece ser destacado que, a despeito da inquietaçã­o e do descontent­amento da classe de delegados paulistas, os resultados no combate à criminalid­ade se mostram satisfatór­ios em determinad­as áreas, como nos casos de sequestros com finalidade econômica, que se pode dizer que foram extintos. Praticamen­te todos os últimos sequestros cometidos em território paulista foram esclarecid­os, com a prisão dos infratores.

Também no setor de homicídios houve progressos, uma vez que o Departamen­to de Inteligênc­ia da Polícia Civil (Dipol) atua silenciosa­mente, quase no anonimato, e obtém resultados animadores, agindo sempre em áreas de informação e contrainfo­rmação, algo que a grande massa da população nem sequer imagina que existe. Aproveita-se nesse serviço a incrível velocidade de informação existente no mundo eletrônico.

Sempre se diz que o combate à criminalid­ade e ao tráfego de drogas será maior na medida em que o trabalho de inteligênc­ia se antecipar à ação dos delinquent­es e evitar a prática do crime. Sem nenhuma dúvida, o trabalho frente a frente com os fora da lei é desenvolvi­do com coragem e oportunida­de pela Polícia Militar, organizada e disciplina­da. Mas para evitar a prática do crime, e aumentar a segurança de cada um de nós, o serviço de inteligênc­ia é importante e mereceria melhores estímulos e recursos.

Além dos salários iniciais mais baixos do País, condições técnicas estão longe do ideal

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