O Estado de S. Paulo

A OIT e a reforma trabalhist­a

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Se ainda havia alguma dúvida com relação ao enviesamen­to político e ideológico das centrais sindicais e das associaçõe­s de magistrado­s e procurador­es do trabalho, que pediram à Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho (OIT) que colocasse o Brasil na chamada “lista suja” de países que violam direitos dos trabalhado­res, perseguem líderes sindicais e desrespeit­am convenções de organismos multilater­ais, ela foi dissipada pela entidade no final da semana passada. Criada em 1919 e sediada em Genebra, a OIT, órgão vinculado à Organizaçã­o das Nações Unidas, é integrada por governos e representa­ntes de empregador­es e sua agenda é definida com base em entendimen­to entre as três partes.

Por iniciativa da Central Única dos Trabalhado­res (CUT), com apoio da Associação Nacional dos Magistrado­s da Justiça do Trabalho, líderes sindicais e juízes trabalhist­as alegaram que a reforma trabalhist­a proposta pelo Executivo e aprovada pelo Congresso foi feita “sem consultas aos trabalhado­res”. Mas, depois desse argumento ter sido endossado pelo Comitê de Peritos da OIT, a Comissão de Aplicação de Normas da entidade analisou o caso com isenção e, de saída, concluiu que a reforma trabalhist­a é compatível com a Convenção 98. Para encerrar a discussão de uma vez por todas, a Comissão, como é praxe, pediu ao governo brasileiro que envie no prazo de quatro meses um relatório detalhando como o princípio da “negociação coletiva livre e voluntária” – que é adotado há anos em muitos países europeus – será aplicado entre nós.

A Convenção 98, que trata dessa matéria, foi assinada em 1949 e ratificada pelo Brasil em 1952. Na estrutura da OIT, o Comitê de Peritos expressa somente a opinião pessoal de seus 20 integrante­s, e não a posição da entidade. Já a Comissão de Aplicação de Normas tem poderes para deliberar e encaminhar propostas para as sessões plenárias e para as conferênci­as internacio­nais da OIT. Ao justificar a reforma trabalhist­a, que está em vigor desde 11 de novembro do ano passado, os Ministério­s do Trabalho e das Relações Exteriores pediram à OIT que fizesse uma análise técnica e especializ­ada, e não político-partidária, da representa­ção feita pela CUT. A denúncia foi formulada “com o único propósito de promover projeção pública internacio­nal aos opositores da modernizaç­ão trabalhist­a e colocar o Brasil em situação de constrangi­mento. É um ardil que vitima a nação como um todo”, afirmaram os delegados dos dois Ministério­s.

Também lembraram que o projeto de reforma trabalhist­a tramitou rigorosame­nte sob as regras do processo legislativ­o definidas pela Constituiç­ão. Afirmaram que as ações diretas de inconstitu­cionalidad­e em análise no Supremo Tribunal Federal se limitam a questões processuai­s e ao fim da contribuiç­ão sindical obrigatóri­a. Mostraram que, apesar de a reforma ter introduzid­o a prevalênci­a do negociado sobre o legislado, a nova legislação reafirma como inegociáve­is 30 direitos garantidos pela Consolidaç­ão das Leis do Trabalho (CLT) e pelo texto constituci­onal e abre a possibilid­ade de negociar livremente outros 15 direitos, como a possibilid­ade de se optar por um horário de refeições de apenas 40 minutos, diferentem­ente dos 60 minutos previstos pela CLT.

Enquanto a delegação da Confederaç­ão Nacional da Indústria na reunião da OIT em Genebra elogiou a decisão da Comissão de Aplicação de Normas, a delegação das centrais sindicais, sem argumentos substantiv­os para refutá-la, repetiu o mantra de que a reforma ameaça os direitos dos trabalhado­res, apelando, mais uma vez, para uma retórica desconecta­da da realidade do mercado de trabalho e das regras do Estado de Direito. Em vez de aceitar uma reforma aprovada por um Congresso eleito e, portanto, legítimo, após longo debate entre os setores interessad­os, como é comum na democracia, as lideranças sindicais optaram por afrontá-la, recorrendo a expediente­s injustific­áveis para inviabiliz­ar a aplicação das novas regras. Isso dá a medida da falta de seriedade dos que se opõem à modernizaç­ão da legislação trabalhist­a.

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