O Estado de S. Paulo

Em Cannes, uma discussão sobre masculinid­ade

Na esteira de movimentos como Me Too e Time’s Up, painel abre espaço para a redefiniçã­o sobre o papel do homem na sociedade

- Fernando Scheller ENVIADO ESPECIAL / CANNES

Em um momento em que movimentos femininos discutem questões como o combate ao assédio e a busca pela igualdade de renda, um painel realizado ontem, durante o Cannes Lions – Festival Internacio­nal de Criativida­de, discutiu o papel da masculinid­ade no mundo atual. A moderadora da discussão, a futurista Faith Popcorn, partiu de um dado alarmante: se a posição do homem é tão confortáve­l, por que eles representa­m 70% do total de suicídios nos Estados Unidos?

Enquanto movimentos como Time’s Up e Me Too buscam a igualdade de direitos entre homens e mulheres e combatem abusos cometidos por figuras masculinas em posições de poder, o painel tentou mostrar que existe espaço para que se debata uma mudança conceitual dos papéis que são atribuídos a cada um dos gêneros. O Estadão é o representa­nte oficial de Cannes Lions no Brasil.

Um dos debatedore­s, o sociólogo Michael Kimmel, autor de estudos sobre masculinid­ade, disse que os homens não estão apenas sendo afetados pelas mudanças trazidas pela igualdade de gêneros – como maior participaç­ão em tarefas domésticas ou uma função mais ativa na criação dos filhos. Aos poucos, o conceito social do que se espera de um homem também começa a mudar. Cria-se, assim, uma nova masculinid­ade.

“Hoje, os homens vivem de uma maneira que seria irreconhec­ível para seus avôs. É um comportame­nto completame­nte diferente”, diz Kimmel. No entanto, muitas vezes os homens que querem ser agentes da mudança enfrentam a resistênci­a de seus pares. Isso se reflete, por exemplo, no fato de que, hoje, a maior parte dos americanos não tira licença-paternidad­e, mesmo quando as empresas onde trabalham oferecem o benefício.

“Conheço o caso de um advogado, que trabalhava em um grande escritório, e pediu a licença-paternidad­e”, lembrou Kimmel. “O diretor-geral da firma, um homem de 64 anos, foi até ele e disse: ‘Eu trabalho aqui há 40 anos e nem sei o dia do aniversári­o dos meus três filhos’”. O advogado percebeu, contou o sociólogo, que precisava deixar a empresa, pois ela não comungava da relação que ele queria ter com a família.

Espaço feminino. Fundadora da empresa The Riveter, que cria espaços de coworking dedicados às mulheres, a empresária Amy Nelson lembrou que, apesar do avanço feminino e da nova pressão exercida sobre a identidade masculina, é cedo para dizer que os homens possam ser considerad­os vítimas. “Eles estão no comando desde o começo dos tempos e continuam a estar”, citando a eleição de Donald Trump nos EUA como um ato de resistênci­a de velhos conceitos.

A força que o velho patriarcad­o ainda tem, segundo Nelson, fica evidente na ínfima participaç­ão feminina em cargos de comando – das 500 maiores companhias dos EUA, só 24 são lideradas por mulheres. A falta de representa­tividade foi, aliás, o que motivou a criação da The Riveter. “Em todas as outras empresas de coworking, não há sequer uma sócia mulher. Era uma oportunida­de.”

O painel comandado por Faith Popcorn abriu também espaço para a questão da fluidez de gênero, com a participaç­ão de Victoria Chachki, vencedora da sétima temporada do programa Ru Paul Drag Race. Victoria, que se identifica como não binária, disse que, em seu caso, essa neutralida­de é uma espécie de resistênci­a política: “É uma reação ao padrão de masculinid­ade tóxica que me foi imposto.”

“Hoje, os homens vivem de uma maneira que seria irreconhec­ível para seus avôs. É um comportame­nto completame­nte diferente” Michael Kimmel SOCIÓLOGO

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SORAYA URSINE / ESTADÃO Debate. Comandado por Faith Popcorn, painel discutiu ainda a questão da fluidez de gênero
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