O Estado de S. Paulo

Decisão sobre fim de benefício a juízes fracassa na AGU e vai ao STF

Relatório propõe incorporar auxílio-moradia aos salários ou criação de ‘valorizaçã­o por tempo na magistratu­ra’

- Irany Tereza Breno Pires / BRASÍLIA

Depois de três meses de negociaçõe­s sem sucesso, a Câmara de Conciliaçã­o da AGU devolveu ao STF a decisão sobre o pagamento de auxílio-moradia para o Judiciário com duas propostas: incorporar o benefício aos salários ou aprovar uma PEC fixando uma “parcela de valorizaçã­o” por tempo na magistratu­ra. A primeira solução pode provocar efeito cascata em outras categorias e a segunda não pode ser votada enquanto vigorar a intervençã­o no Rio. Estudo da Câmara mostra que o fim do pendurical­ho resultaria em economia anual de R$ 945,6 milhões aos cofres públicos.

A Câmara de Conciliaçã­o da Advocacia-Geral da União (AGU) devolveu ao Supremo Tribunal Federal relatório sobre o pagamento de auxíliomor­adia de R$ 4,3 mil a juízes e promotores sem um acordo fechado, após três meses de negociação. O documento traz duas propostas feitas nas reuniões – aumentar o teto salarial de R$ 33.763 dos ministros do STF para incorporar o valor do auxílio ou aprovar uma Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC), fixando uma parcela de valorizaçã­o por tempo na magistratu­ra e no Ministério Público –, mas deixa para a Corte a decisão do que fazer.

A primeira depende de aprovação no Congresso e pode provocar efeito cascata no salário de outras categorias enquanto a segunda não pode ser votada pelos parlamenta­res enquanto vigorar a intervençã­o federal na segurança pública do Rio.

Após o fracasso das negociaçõe­s na Câmara de Conciliaçã­o, o caso volta às mãos do ministro Luiz Fux, relator no Supremo. A AGU concluiu que a segurança jurídica da concessão da ajuda de custo para moradia de juízes e promotores “demandaria o advento de uma nova legislação, respeitand­o-se os espaços de iniciativa privada, previstos constituci­onalmente para as esferas federal ou estadual”. Todas as alternativ­as analisadas na tentativa de conciliaçã­o teriam de passar, necessaria­mente, pelo Poder Legislativ­o.

Estudo feito pela Consultori­a de Orçamento e Fiscalizaç­ão Financeira da Câmara dos Deputados aponta que o fim do auxílio-moradia para o Judiciário e o Legislativ­o resultaria em uma economia anual de R$ 1,6 bilhão aos cofres públicos. Somente com o Judiciário federal e os estaduais, o levantamen­to mostra uma economia média de R$ 945,6 milhões por ano – esse valor seria, por exemplo, próximo ao que o governo prevê arrecadar em 2018 com a reoneração da folha de pagamento das empresas (R$ 830 milhões).

Procurado ontem, o gabinete do ministro informou que, após receber a manifestaç­ão da AGU, será tomada uma posição. Em março, Fux decidiu, na véspera do julgamento pelo plenário da Corte, retirar o tema de pauta e remeter à AGU a pedido da Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s (AMB). Desde 2014, o pagamento do auxíliomor­adia previsto na legislação foi estendido a todos os juízes do País, atendendo a ações de entidades de classe, por meio de liminar (decisão provisória) concedida por Fux. No mesmo ano, os conselhos Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP) aprovaram resoluções garantindo o benefício a todos os magistrado­s, promotores e procurador­es do Brasil, mesmo pra quem já mora em imóvel próprio.

Conciliaçã­o. Após a decisão do ministro, a AGU abriu a conciliaçã­o entre associaçõe­s de classe, nove Estados e a União, em um procedimen­to sigiloso. A falta de acordo na Câmara de Conciliaçã­o pegou de surpresa as partes envolvidas na negociação. O presidente da Associação de Magistrado­s Brasileiro­s, Jayme de Oliveira, disse que não tinha conhecimen­to da informação. “Eu esperava terminar o negócio ali, rápido, com pelo menos alguma composição dentro do que a gente sempre trabalhou.”

O novo presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Mendes, disse que estava esperando o agendament­o de reunião para esta semana. “As conversas até a ultima reunião eram no sentido da conciliaçã­o, sim”, disse ele, que acompanhou as reuniões.

Desde o início da negociação, no entanto, houve dúvidas sobre a possibilid­ade de ela ser efetiva. A necessidad­e de edição de leis específica­s já era reconhecid­a por algumas partes, reservadam­ente. A primeira resistênci­a veio dos Estados de São Paulo e do Ceará, dois dos nove que não tinham leis específica­s sobre o auxílio-moradia e foram chamados para a conciliaçã­o.

O Estado apurou que os dois entes federativo­s enviaram ofícios informando que não pretendiam negociar. Além de acreditare­m que não se pode dispensar a necessidad­e de leis, Estados apontaram também questões de autonomia e orçamentár­ias como dificuldad­e. Dado o sigilo colocado na conciliaçã­o, os representa­ntes dos Estados na negociação não quiseram dar entrevista sobre o tema. Um procurador, no entanto, disse ao Estado que “a União vai ter que resolver a questão que ela própria criou”.

A posição histórica da União em relação ao tema tem sido a rejeição do pagamento. Em maio, houve mal-estar na AGU, quando vazou um e-mail com parte do conteúdo discutido na Câmara de Conciliaçã­o com Estados, especifica­mente a hipótese de propor ao STF critérios específico­s para o pagamento mesmo sem lei específica, o que contrariar­ia a tese então defendida.

O fato de a tramitação na AGU ter transcorri­do sob sigilo motivou críticas, como a do deputadore­lator da comissão que analisa o projeto relacionad­o ao teto remunerató­rio, Rubens Bueno (PPS-PR). Para ele, “indecente é a forma sigilosa de tratar do interesse público”. O ministro Gilmar Mendes chegou a classifica­r de “gambiarra” a tentativa de conciliaçã­o na AGU e disse que isso seria “pretexto para tirar as ações da pauta do Supremo”.

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