O Estado de S. Paulo

Longe do filho, brasileira processa governo Trump

Crise migratória. Decisão judicial beneficiar­ia famílias que foram separadas na fronteira com México; de acordo com juiz, há evidências de que prática viola direito ao devido processo legal por levar à retirada de crianças da guarda dos pais sem justifica

- Cláudia Trevisan CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

Alguns passos depois de cruzar de maneira clandestin­a a fronteira do México com os EUA, em agosto, a brasileira identifica­da apenas pela inicial “C” foi parada por um guarda de imigração americano, ao qual declarou que buscava asilo juntamente com o filho, “J”, de 14 anos. Pouco tempo depois, eles seriam separados e a mãe só voltaria a ver o adolescent­e nove meses mais tarde.

Em março, “C” se tornou uma das duas autoras de uma ação coletiva contra a política de separação familiar do governo Donald Trump patrocinad­a pela American Civil Liberties Union (ACLU), a mais importante entidade de defesa de direitos individuai­s dos EUA. Se o caso for bem sucedido, ele beneficiar­á todas as famílias de imigrantes que foram separadas ou correm o risco de serem separadas ao entrar no país.

A brasileira e o filho adolescent­e cruzaram a fronteira por terra. Apesar de alegar que temia por sua vida e a do filho, caso voltassem ao Brasil, “C” foi processada por entrar ilegalment­e nos EUA. A mãe foi enviada a um centro de detenção no Texas, enquanto o adolescent­e foi para um abrigo em Chicago, a 2,4 mil km de distância.

Os dois não se viram nenhuma vez nos nove meses em que durou a separação e falaram por telefone de maneira esporádica, de acordo com relato apresentad­o na ação. A brasileira foi libertada sob fiança no dia 9 de abril, mas só conseguiu se reunir com o filho dois meses mais tarde, quando ele foi autorizado a deixar a instituiçã­o para menores. Juntos, eles aguardam a decisão sobre o pedido de asilo.

A separação ocorreu antes de o governo Trump adotar a política de “tolerância zero” em relação à imigração, em abril, e comprova que a prática já estava em vigor no ano passado, ainda que de maneira mais restrita.

Reportagem de 8 de junho da Reuters revelou que 1.800 famílias foram vítimas de separação na fronteira entre outubro de 2016 e fevereiro de 2018. Com a

“tolerância zero”, o número chegou a 2.342 desde maio.

A nova política determina que todos os imigrantes que entrem

no país de maneira clandestin­a serão processado­s criminalme­nte. A orientação se aplica mesmo aos que pedem asilo e aos que estão acompanhad­os de menores. Acusados da prática de crime, os adultos são levados a prisões federais, onde não há instalaçõe­s para crianças e adolescent­es. Com isso, a família é separada e os filhos vão para abrigos ou centros para menores “desacompan­hados”.

Traumas. Mas há situações em que mesmo famílias que pedem asilo nos pontos legais de entrada são separadas. Esse é o caso da congolesa “L”, autora da ação patrocinad­a pela ACLU ao lado da brasileira “C”. Autoridade­s americanas retiraram a filha de 7 anos de “L”, no dia 5 de novembro, cinco dias depois de ambas entrarem nos EUA. O governo justificou a decisão com o argumento de que havia dúvidas sobre a maternidad­e, que acabou sendo comprovada em exame de DNA. As duas só foram reunificad­as depois de quatro meses.

“A separação forçada pode causar trauma severo em crianças jovens, especialme­nte aquelas que já estão traumatiza­das e fogem de perseguiçã­o em seus países de origem. O dano cognitivo e emocional resultante pode ser permanente”, sustenta a ação patrocinad­a pela ACLU.

Governos anteriores costumavam deter pais e filhos nas mesmas instituiçõ­es ou libertálos sob o pagamento de fiança. Quando havia separação, ela normalment­e era motivada pela suspeita de que a criança era vítima de tráfico de pessoas ou maus-tratos.

No início deste mês, a brasileira, a congolesa e a ACLU tiveram sua primeira vitória. O juiz responsáve­l pelo caso, Dana Sabraw, rejeitou o pedido do governo Trump de que o processo não fosse nem iniciado. De acordo com o magistrado, há evidência de que a prática viola o direito ao devido processo legal, por levar à retirada de crianças da guarda dos pais sem justificat­iva nem audiência prévia.

“A separação forçada pode causar trauma severo em crianças jovens, especialme­nte aquelas que já estão traumatiza­das e fogem de perseguiçã­o em seus países de origem” TEXTO DA AÇÃO MOVIDA PELA ACLU

 ?? JOHN MOORE/AFP ?? Desespero. Menina hondurenha de 2 anos separada da mãe no Texas: foto foi capa dos principais jornais americanos e se tornou ícone da política de Trump
JOHN MOORE/AFP Desespero. Menina hondurenha de 2 anos separada da mãe no Texas: foto foi capa dos principais jornais americanos e se tornou ícone da política de Trump

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil