STJ garante a ex-marido direito de visitar cadela após separação do casal
Justiça. Na primeira vez em que uma Corte superior analisou o tema, tribunal decidiu permitir convivência do homem com animal, mas negou igualar posse de animais à guarda de filhos. Mascote não é simples propriedade privada, disse ministro relator do caso
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ontem, por 3 votos a 2, que um homem tem o direito de visitar uma cadela de estimação que ficou com a ex-mulher após a separação. Apesar de permitir a convivência do ex-companheiro com a cadela, o colegiado descartou igualar a posse de animais com a guarda de filhos. É a primeira vez que o tema foi tratado por uma Corte superior.
A decisão abre precedente importante no Judiciário, mas não tem efeito vinculante, ou seja, não precisa ser obrigatoriamente seguida por todos os juízes. O entendimento firmado na turma foi o de que os animais, mesmo considerados bens que são propriedade de alguém, não podem ser vistos como meras “coisas inanimadas”. É preciso, segundo o tribunal, levar em conta o vínculo afetivo com o bicho nas questões judiciais.
O caso analisado era sobre um casal que manteve união estável em São Paulo por mais de sete anos. Os dois – Vinicius Mendroni e Luciana Borba – viviam em regime de comunhão universal de bens e, enquanto estavam juntos, compraram a cadela yorkshire Kimi. Eles se divorciaram em 2011, quando afirmaram que não havia bens para serem partilhados, o que deixou de lado naquele momento a discussão sobre a cadela.
Mas Mendroni recorreu à Justiça sob alegação de que, após a separação, foi impedido de manter contato com a mascote na casa de Luciana. No processo, disse haver “verdadeiro laço afetivo” com o animal e ser responsável pelos gastos com a cadela. Segundo ele, a restrição a visitas causava “intensa angústia”.
“Eles não tinham filhos. O animal era como um membro da família”, diz Franco Mauro Russo Brugioni, advogado de Mendroni. Já Adriana Cury, que defende Luciana, afirmou que a posse da cachorra foi definida durante a separação e que o regime de visitas (a cada 15 dias) seria prejudicial ao animal.
Debate. “Não se mostra suficiente o regramento jurídico dos bens para resolver, satisfatoriamente, tal disputa familiar nos tempos atuais, como se tratasse de simples discussão atinente a posse e propriedade. A despeito de animais, possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada”, disse o ministro Luís Felipe Salomão, relator do caso.
No STJ, posicionaram-se pelo direito de visita os ministros Salomão, Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. Foram contrários os ministros Isabel Gallotti e Lázaro Guimarães. Na prática, o STJ manteve a decisão – favorável ao ex-marido – do Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia fixado visitas em finais de semana intercalados, feriados prolongados e nas festividades de fim de ano.
Para Camilo Henrique Silva, professor de Direito da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, apesar do aumento de disputas do tipo nos tribunais, o tema ainda é visto com conservadorismo no meio jurídico. Na maior parte do mundo, diz, “animais ainda são vistos como objeto”.
“O Judiciário necessita encontrar solução adequada para essa questão, ponderando os princípios em conflito, de modo a encontrar o resguardo aos direitos fundamentais e a uma vida digna.” Luís Felipe Salomão MINISTRO DO STJ E RELATOR DO CASO