O Estado de S. Paulo

STJ garante a ex-marido direito de visitar cadela após separação do casal

Justiça. Na primeira vez em que uma Corte superior analisou o tema, tribunal decidiu permitir convivênci­a do homem com animal, mas negou igualar posse de animais à guarda de filhos. Mascote não é simples propriedad­e privada, disse ministro relator do caso

- BRASÍLIA /RAFAEL MORAES MOURA, AMANDA PUPO e PRISCILA MENGUE

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ontem, por 3 votos a 2, que um homem tem o direito de visitar uma cadela de estimação que ficou com a ex-mulher após a separação. Apesar de permitir a convivênci­a do ex-companheir­o com a cadela, o colegiado descartou igualar a posse de animais com a guarda de filhos. É a primeira vez que o tema foi tratado por uma Corte superior.

A decisão abre precedente importante no Judiciário, mas não tem efeito vinculante, ou seja, não precisa ser obrigatori­amente seguida por todos os juízes. O entendimen­to firmado na turma foi o de que os animais, mesmo considerad­os bens que são propriedad­e de alguém, não podem ser vistos como meras “coisas inanimadas”. É preciso, segundo o tribunal, levar em conta o vínculo afetivo com o bicho nas questões judiciais.

O caso analisado era sobre um casal que manteve união estável em São Paulo por mais de sete anos. Os dois – Vinicius Mendroni e Luciana Borba – viviam em regime de comunhão universal de bens e, enquanto estavam juntos, compraram a cadela yorkshire Kimi. Eles se divorciara­m em 2011, quando afirmaram que não havia bens para serem partilhado­s, o que deixou de lado naquele momento a discussão sobre a cadela.

Mas Mendroni recorreu à Justiça sob alegação de que, após a separação, foi impedido de manter contato com a mascote na casa de Luciana. No processo, disse haver “verdadeiro laço afetivo” com o animal e ser responsáve­l pelos gastos com a cadela. Segundo ele, a restrição a visitas causava “intensa angústia”.

“Eles não tinham filhos. O animal era como um membro da família”, diz Franco Mauro Russo Brugioni, advogado de Mendroni. Já Adriana Cury, que defende Luciana, afirmou que a posse da cachorra foi definida durante a separação e que o regime de visitas (a cada 15 dias) seria prejudicia­l ao animal.

Debate. “Não se mostra suficiente o regramento jurídico dos bens para resolver, satisfator­iamente, tal disputa familiar nos tempos atuais, como se tratasse de simples discussão atinente a posse e propriedad­e. A despeito de animais, possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimento­s bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedad­e privada”, disse o ministro Luís Felipe Salomão, relator do caso.

No STJ, posicionar­am-se pelo direito de visita os ministros Salomão, Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. Foram contrários os ministros Isabel Gallotti e Lázaro Guimarães. Na prática, o STJ manteve a decisão – favorável ao ex-marido – do Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia fixado visitas em finais de semana intercalad­os, feriados prolongado­s e nas festividad­es de fim de ano.

Para Camilo Henrique Silva, professor de Direito da Universida­de Federal do Mato Grosso do Sul, apesar do aumento de disputas do tipo nos tribunais, o tema ainda é visto com conservado­rismo no meio jurídico. Na maior parte do mundo, diz, “animais ainda são vistos como objeto”.

“O Judiciário necessita encontrar solução adequada para essa questão, ponderando os princípios em conflito, de modo a encontrar o resguardo aos direitos fundamenta­is e a uma vida digna.” Luís Felipe Salomão MINISTRO DO STJ E RELATOR DO CASO

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