O Estado de S. Paulo

O medo de flutuar

- E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS

Há pouco mais de duas semanas, em meio à forte turbulênci­a nos mercados locais, o Banco Central corretamen­te anunciou que não mudaria a política de juros para conter a desvaloriz­ação do real. Ao mesmo tempo, anunciou o aumento das operações de swap cambial para frear a volatilida­de e a disparada da moeda americana. De lá para cá, a autoridade monetária brasileira já fez cerca de 25% do ápice do montante de operações dessa natureza durante o governo Dilma. Por que o Banco Central brasileiro tem tanto medo de deixar a moeda flutuar, conforme exige o regime que constantem­ente reafirmamo­s ter?

Primeirame­nte, a usual digressão sobre os swaps cambiais. Nessas operações, o Banco Central oferece aos investidor­es o pagamento da oscilação do dólar adicionado um prêmio, enquanto o investidor se compromete a pagar ao BC a variação das taxas de juros durante o período de validade do contrato. No fim do contrato, as duas partes trocam os rendimento­s e, caso o dólar tenha oscilado mais do que os juros, os investidor­es recebem proteção cambial enquanto o Banco Central assume o custo dessa proteção.

Os swaps não envolvem, necessaria­mente, o uso das reservas internacio­nais, isto é, a troca de rendimento­s costuma ser efetuada em reais. Contudo, como a operação confere proteção em dólares aos investidor­es, há sempre a possibilid­ade de que queiram ressarcime­nto em moeda estrangeir­a uma vez terminado o contrato. Nesse caso, haveria redução de reservas. Durante o governo Dilma, quando o estoque de swaps cambiais chegou a cerca de US$ 115 bilhões, tais perdas de reservas não se materializ­aram. O BC aposta que o mesmo ocorra agora.

A pergunta, entretanto, é por que o BC está tão empenhado em dar proteção aos investidor­es. Na época de Dilma, uma das principais razões era a Petrobrás, que tinha nível elevadíssi­mo de endividame­nto em dólares – abalada pelo sucateamen­to ocorrido, a empresa não tinha como aguentar expressiva desvaloriz­ação do real. Hoje, a situação é diferente já que a empresa foi reestrutur­ada e o restante da dívida corporativ­a em dólares do País não só goza de hedge, mas tem maturidade longa, não sendo, portanto, uma ameaça direta à solidez do balanço de pagamentos. De resto, temos um déficit em contacorre­nte baixo e nenhuma outra vulnerabil­idade externa. Portanto, o excesso de zelo do BC não se justifica pela ótica do risco de uma crise externa, hoje quase nulo.

Outra explicação seria o repasse cambial para a inflação, isto é, o fato de que quando o dólar se valoriza há diversos canais que traduzem tal variação em alta inflacioná­ria. Há evidências de que, dado o estado frágil da economia, o grau de repasse seja, hoje, bastante baixo. Além do mais, ainda que haja chance de alta inflacioná­ria pela frente, a inflação continua abaixo de 3% nos últimos 12 meses, mesmo com a aceleração de maio – aceleração essa atrelada à greve dos caminhonei­ros, e portanto provavelme­nte passageira. Desse modo, temores inflacioná­rios associados à desvaloriz­ação do real são, no mínimo, um exagero.

O real tem sofrido nos mercados locais e internacio­nais pelas mudanças no cenário externo – perspectiv­a de que a política monetária americana acelere os aumentos de juros, e de que a inflação americana seja também influencia­da pela guerra comercial de Trump. O quadro volátil tem pressionad­o ativos em países emergentes, e tais pressões dificilmen­te

O excesso de zelo do Banco Central não se justifica pela ótica do risco de uma crise externa, hoje quase nulo

poderão ser revertidas por medidas domésticas.

No Brasil, soma-se a isso o ambiente desgoverna­do de Temer e as incertezas sobre as eleições, além dos temores acerca de determinad­os candidatos e de suas propostas. É nessa lama primordial que os mercados buscam o paternalis­mo cambial do BC brasileiro. Contudo, sem riscos externos significat­ivos e na ausência de pressões inflacioná­rias que ameacem a credibilid­ade da política monetária, cabe perguntar: por que o BC não deixa o dólar flutuar? Por que o BC não mostra que o regime flutuante é, de fato, flutuante, e que não cede às pressões do mercado e da política?

Em poucas palavras, por que o BC está seguindo política que neste momento não parece ter muita justificat­iva? Afinal, se o dólar disparar com inflação razoavelme­nte contida, isso ajuda nossos exportador­es. Afinal, a maneira mais fácil de conter a especulaçã­o excessiva contra o real é deixá-lo encontrar por si o “preço justo”. Quem acredita nos mecanismos de mercado, ao menos, deveria defender isso, e não buscar explicaçõe­s para o eterno medo de deixar o regime de câmbio flutuante funcionar.

ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

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