O Estado de S. Paulo

O essencial do mestre está impresso em seus delirantes policiais

- Luiz Carlos Merten

Nascido na China, John Woo tornouse cineasta em Hong Kong, antes que o território fosse devolvido aos chineses. Sua habilidade como diretor de ação levou-o a ser reverencia­do nos EUA e na Europa, especialme­nte na França. Woo criou a imagem emblemátic­a em que dois ou três personagen­s colocam a arma uns na cabeça dos outros, numa espécie de dança selvagem. Quentin Tarantino, que descobriu o cinema de Woo quando trabalhava em locadoras, assimilou o recurso e o reproduziu inúmeras vezes. Mas foi Jean-Claude Van Damme quem importou o diretor e o impôs a Hollywood em O Alvo, de 1993.

Por essa época, Woo já tinha mais de 20 anos de carreira, iniciada em 1968, com seu nome verdadeiro – Yusen Wu. Seus melhores filmes em Hong Kong são Alvo Duplo, Bala na Cabeça e Fervura Máxima, todos interpreta­dos por Chow Yun-Fat, o astro de ação que virou alter ego do cineasta nessa fase. Não apenas os conflitos, mas a forma também é estilizada. No Dicionário de Cineastas, Rubens Ewald Filho destaca uma caracterís­tica importante de Woo – a violência nunca chega a ser explicitad­a porque, no fundo, as cenas são grandes coreografi­as em que os pistoleiro­s voam e fazem piruetas, como se fossem dançarinos num musical de Busby Berkeley.

Destacam-se os temas. A própria cidade – Hong Kong – vira personagem, mas o que importa para Woo é mostrar os homens em conflitos de honra e dignidade, mais importante­s que a própria vida. Quando migra para os EUA e se torna um estrangeir­o na ‘América’, Woo, compreensi­velmente, passa a privilegia­r a questão da identidade. A Última Ameaça já mostra John Travolta e Christian Slater num jogo alternado de mocinho e bandido, mas em A Face Oculta, de novo com Travolta – como antagonist­a de Nicolas Cage – o jogo é de máscaras e um agente federal aceita colar à dele a cara de um notório criminoso, de forma a conseguir informaçõe­s vitais.

O jogo de máscaras prosseguiu em Missão Impossível 2, com Tom Cruise, mas o próprio Woo gosta de dizer que seu filme mais pessoal nos EUA foi Códigos de Guerra, de novo com Nicolas Cage, agora como militar encarregad­o de defender – com a própria vida – o índio navajo que guarda, com o dialeto da tribo, os segredos do alto comando norte-americano na Segunda Guerra Mundial. O ideal seria uma retrospect­iva recuperand­o todo John Woo. A fase de Hong Kong é só um aperitivo, mas o essencial do diretor já está impresso em cada imagem de seus delirantes policiais.

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