‘Comboio de Sal e Açúcar’ fala de amor, guerra e sobrevivência
Para o diretor Licínio Azevedo, filme homenageia as mulheres que embarcavam em trens, correndo riscos para garantir sustento da família
Licínio Azevedo é um jornalista que criou um nome que virou referência na imprensa gaúcha. Há 40 anos foi para a África, e lá vive. Licínio dirigiu Comboio de Sal e Açúcar a partir de um livroreportagem. O filme já está em cartaz há duas semanas, o que pode ser considerado uma resistência. É lançamento pequeno, mas de alguma forma tem tocado o público. É um filme que exige – pelo tempo das cenas, pela mitologia que perpassa a narrativa.
Os personagens embarcam num trem militar. O ano é 1988, Moçambique está imersa numa guerra que não terminou e as pessoas estão no comboio em busca de uma vida melhor. Trocar sal por açúcar pode ser um negócio rendoso. Há o militar bom e o mau. Um ataca as mulheres, outro as defende. “É um idealista, um homem puro com Galahad”, disse o diretor numa apresentação do filme. É sua homenagem às mulheres: “Na África, elas carregam a família nas costas. Fazem comida, cuidam dos filhos, trabalham no campo. E eram as mulheres que, majoritariamente, viajavam nos comboios, arriscando-se para fazer o comércio de sal e açúcar”.
O diretor foge da dimensão política ao investir na história de amor de Rosa. “Ela coloca um ponto de luz, de esperança nessa história.” Comboio de Sal e Açúcar foi exibido em festivais como Locarno e Toronto. Recebeu prêmios na África e nos EUA. Tem ação – chegou a ser chamado de western africano –, mas a história tem seu ritmo e não bate frenética na tela. Licínio foi fiel à diversidade da cultura regional. “Só em Moçambique falamos mais de 30 línguas. No continente todo, são inúmeros os dialetos. Não dá para expressar tudo isso numa só imagem.”
Talvez o aspecto mais perturbador do filme seja o oficial inimigo que deixa um rastro de destruição ao longo da ferrovia. A crendice popular diz que ele vira macaco. O comandante Sete Maneiras é inspirado nos naparamas, que lutavam nus e se consideravam à prova de balas. “Não é possível fazer guerra na África sem magia. Nem filmar a guerra sem acreditar nisso”, explica ainda o diretor.