O Estado de S. Paulo

Uma imoralidad­e

-

Política imigratóri­a de Trump nada tem de decente e humano.

Desde abril, quando o secretário de Justiça dos Estados Unidos, Jeff Sessions, anunciou a política de “tolerância zero” do governo do presidente Donald Trump no combate à imigração ilegal, quase 2.000 crianças foram separadas de seus pais quando estes foram capturados tentando cruzar a fronteira sul do país.

Entre as crianças, há pelo menos três irmãos brasileiro­s, de 8, 10 e 17 anos, que foram recolhidos ao abrigo Estrella del Norte, em Tucson, após sua mãe ser capturada ao tentar entrar ilegalment­e com eles nos EUA. Mãe e filhos estão detidos em centros de recolhimen­to de imigrantes ilegais separados por uma distância de 90 km. Só puderam conversar uma vez graças à intervençã­o da cônsul-honorária do Brasil no Arizona, Rosilani Novaes.

Não se deve apoucar a complexida­de da atual crise imigratóri­a, que afeta não apenas os Estados Unidos, mas também países da Europa como Itália, Grécia, Espanha e Alemanha. Por razões distintas, que vão de crises econômicas, guerras, e catástrofe­s ambientais a perseguiçõ­es políticas e religiosas, milhões de pessoas buscam refúgio em países que consideram menos hostis à manutenção de suas vidas do que a própria terra onde nasceram e fincaram suas raízes, não raro preferindo o risco de morrer na busca de um conforto incerto a permanecer sob o jugo da opressão ou da miséria.

Ao mesmo tempo não é razoável supor que as nações mais desenvolvi­das tenham, tão somente por esta condição, a obrigação de acolher – e os meios para tal – todos os estrangeir­os que nelas depositam a esperança de uma vida melhor. Eis aí o desafio que está sobre a mesa de trabalho de grandes líderes mundiais hoje.

Mas uma coisa é certa: sejam quais forem as soluções para os dilemas da grave crise imigratóri­a do século 21, um mínimo de decência e humanidade há de servir como Norte para que se chegue a elas. E, sob quaisquer ângulos que se olhe a política imigratóri­a do presidente Donald Trump, nada há de decente, humano e moral em permitir que crianças sejam separadas de seus pais.

Algumas das críticas mais contundent­es à política imigratóri­a do presidente Donald Trump partiram de seu círculo mais próximo, tanto do ponto de vista familiar como das supostas afinidades políticas. No domingo, a primeira-dama dos EUA, Melania Trump, disse à rede de TV CNN que “o país deve impor o respeito à lei, mas também deve governar com o coração”.

Por meio de sua conta no Twitter, o senador republican­o John McCain exortou Donald Trump a interrompe­r “agora” a política de separação de pais e filhos, que representa, segundo ele, “uma afronta à decência do povo americano e aos princípios e valores sobre os quais a nação foi fundada”.

A ex-primeira dama Laura Bush, também por meio do Twitter, criticou duramente o presidente Trump: “Moro em um estado fronteiriç­o (Texas). Compreendo a necessidad­e de reforçar e proteger as fronteiras, mas esta política de tolerância zero é cruel. É imoral”, escreveu.

A resposta do governo veio por meio de um pronunciam­ento de Jeff Sessions, marcado pela típica retórica de seu chefe. “Nós não queremos separar filhos de seus pais. Nós não queremos é que pais tragam seus filhos ilegalment­e para os Estados Unidos”, disse o secretário de Justiça.

Desde sua posse como presidente dos EUA, Donald Trump tem gerado ou aumentado instabilid­ades em um mundo que, a bem da verdade, já era bastante confuso antes de sua ascensão ao poder, mas ao menos enxergava nos EUA, “líder do mundo livre”, o farol para que certos valores não fossem perdidos de vista. Falemos de tolerância, compaixão, respeito às liberdades e aos valores democrátic­os. Evidenteme­nte, tais valores não desaparece­ram, embora venham sendo relativiza­dos desde janeiro de 2017.

As decisões de Donald Trump não têm feito justiça aos 242 anos de história de seu país, uma história que ajudou a forjar os mais caros valores da democracia ocidental.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil