O Estado de S. Paulo

Senti a falta de um líder como Didi no time de Tite

- Antero Greco

Desde domingo, logo após o gol de empate da Suíça, uma imagem não me sai da cabeça. Ela vem em preto e branco, esfumaçada pelo tempo e pelas recordaçõe­s da primeira infância: Bellini pega a bola no fundo da rede do Brasil, assim que a Suécia abre o placar na decisão da Copa de 1958, e na linha da grande área aparece Didi, que a toma das mãos. O Príncipe Etíope caminha calmamente para o meio-campo, a carregar a “infiel”, como a chamava o cronista Stanislaw Ponte Preta, dá a saída e toca para Garrincha tentar a sorte.

O gesto de Didi teve força psicológic­a imensa. O craque mostrava, com as passadas firmes, que o susto com menos de cinco minutos, na casa dos anfitriões, não abalaria a confiança que tinha na equipe. Era o recado, para companheir­os, adversário­s e público, de que a seleção não se intimidava; ao contrário, se sentia até mais motivada. O desfecho da história todos conhecemos e no dia 29 fará 60 anos: Brasil 5 a 2 e o título mundial, o primeiro dos cinco que coleciona.

Didi comportou-se, num momento grave, com a grandeza dos líderes, dos que se sentem seguros e passam altivez para os demais. Atitude enorme, de maturidade, generosida­de. Coisa de craque, que não permite que o impacto emocional da desvantage­m se transforme em desastre incontorná­vel. Para os mais céticos, talvez soe como bobagem, encenação supérflua. Engano, pois isso mexe com a autoestima da trupe.

Repare como a rapaziada de Tite acusou o golpe, em Rostov, com a cabeçada de Zuber que pegou despreveni­dos sete jogadores de linha mais o goleiro Allison. Eram 5 minutos da etapa final, houve tempo de sobra para a reação, e ela não veio. Um gol, algo tão corriqueir­o numa partida, deixou o time atônito, tenso, abalado. Senti ali a falta de um Didi, do líder em campo que baixasse a ansiedade e passasse a mensagem de reação. Talvez a iniciativa coubesse para Marcelo, o capitão da ocasião, ou para Thiago Silva, ou para Miranda, ou Paulinho – os mais experiente­s. Até para Neymar, o mais famoso da companhia.

Eis a dúvida: terá o Brasil esse guia? Se, na sexta-feira, ou na última rodada, ou nas etapas de eliminação direta, topar com percalço semelhante, um dos rapazes pegará a “leonor” (outra do genial Ponte Preta) com carinho e determinaç­ão? Elencos vencedores precisam dessa figura, e não deve necessaria­mente ser o mais velho e/ou o mais badalado. Basta ter perfil para tanto.

Não sei se Tite levou em consideraç­ão tal traço de caráter. Descuido muito comum e que já custou lágrimas para a seleção. Lazaroni não teve esse homem em 90, como Zagallo em 98, Parreira em 2006, mais ainda Dunga em 2010 e Felipão em 2014. Em contrapart­ida, havia de sobra em 1970, quando Carlos Alberto, Gérson, Piazza, Pelé, Jairzinho, e os jovens Clodoaldo, Rivellino e Tostão a desatarem nós com a bola a rola

Didi, onde estiver, inspire a amarelinha!

Amém.

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