O Estado de S. Paulo

Lições do dólar

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

Para onde vai o dólar? Economista­s não têm bons instrument­os para responder a essa pergunta. Trata-se de um preço de ativo influencia­do por muitas variáveis.

O pouco que sabemos é que o diferencia­l de cresciment­o entre os países contribui de forma relevante para explicar a direção das moedas. País que cresce mais ou que tem maior expectativ­a de cresciment­o tem moeda mais valorizada, e vice-versa.

Entre 2014 e 2016, por exemplo, a economia norte-americana exibia robustez crescente, enquanto se discutia o risco de rápida desacelera­ção na China, impactando o cenário econômico de seus parceiros comerciais. Resultado: o dólar apresentou expressiva valorizaçã­o, de 25% em relação a uma ampla cesta de moedas calculada pelo Fed.

O fato de os EUA serem mais fechados ao comércio mundial também impacta o comportame­nto de sua moeda. Nos últimos meses, o comércio mundial perdeu fôlego, possivelme­nte por conta da desacelera­ção de investimen­tos tradiciona­is na China. Europa, Japão e emergentes sofrem. O resultado é a valorizaçã­o recente do dólar no mundo.

O real, por consequênc­ia, se enfraquece­u. Em linha, porém, com o sugerido pelo quadro externo e levando em conta sua elevada volatilida­de histórica. Pelos nossos modelos econométri­cos, o peso do ambiente interno, de incertezas e de baixo cresciment­o, seria marginal. Seu papel estaria mais em eliminar a sobrevalor­ização do real ocorrida desde o início do processo de impeachmen­t, do que em gerar um enfraqueci­mento adicional da moeda em relação ao sugerido pelo ciclo da moeda americana.

Apesar de o nervosismo do mercado lembrar aquele de 2002, o quadro agora é bem diferente. Naquele ano, havia razões para correção forte da moeda, pois o real estava excessivam­ente sobrevalor­izado quando comparado à cesta de moedas. Como consequênc­ia, o déficit nas contas externa (transações correntes) estava elevado, em 4,2% do PIB. Muitos analistas apontavam como um fator potencial de pressão cambial.

Não se sabia a velocidade de ajuste. O ambiente eleitoral ruidoso de 2002 forçou uma rápida correção.

Agora, o real não parece sobrevalor­izado e o déficit em transações correntes está em apenas 0,4% do PIB.

Além disso, houve melhora do perfil da dívida pública. Ao final de 2001, a parcela da dívida indexada direta ou indiretame­nte à taxa de câmbio chegou a 35% do total. Gerava-se uma dinâmica perversa: dólar em alta pressionav­a a dívida pública, que retroalime­ntava a pressão cambial por conta do maior risco fiscal. Em abril último, essa participaç­ão estava em apenas 5,7%. Hoje as reservas internacio­nais estão em US$ 382 bilhões, ante míseros US$ 35,9 bilhões em 2001. O Brasil tornou-se credor líquido em dólar: dívida externa líquida está em -3,9% do PIB; era +29,4% do PIB em 2001. Assim sendo, a alta do dólar faz a dívida pública líquida cair, e não subir de forma acelerada como no passado.

Difícil afirmar se o movimento recente de valorizaçã­o do dólar no mundo bateu no teto. Consideran­do o desempenho histórico, parece menos provável uma correção expressiva como aquela de 2014-16. Nem o dólar está desvaloriz­ado em relação à sua média histórica, nem o mundo está tão mal.

Ficam algumas lições para o próximo governo. O câmbio é flutuante – um regime cambial que se mostrou superior ao de câmbio administra­do do passado – e a dinâmica da moeda é em boa medida determinad­a pelo ciclo da moeda americana. O máximo a ser feito é conter a volatilida­de. Controlar o câmbio não deveria fazer parte da agenda econômica dos presidenci­áveis.

A tarefa do próximo presidente é avançar em reformas que melhorem os fundamento­s do País, para que o real seja menos volátil, de forma a reduzir as incertezas do ambiente econômico e penalizar menos o setor produtivo. E o desafio aumentou por conta da crise fiscal.

O imprevisív­el comportame­nto da taxa de câmbio não deveria apenas aumentar a humildade de economista­s, mas de governante­s também.

Controlar o câmbio não deveria fazer parte da agenda econômica dos candidatos

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