O Estado de S. Paulo

Mais brasileiro­s com crianças buscam os EUA

Famílias com filhos pequenos e pessoas com formação superior se arriscam a entrar pelo México, sinal de uma mudança no perfil migratório nos últimos anos

- Cláudia Trevisan

A crise econômica do País provocou um aumento explosivo na imigração de famílias brasileira­s que tentam a sorte como ilegais nos EUA. Pais com formação superior e filhos pequenos se arriscam a entrar pelo México.

Aúltima turma de catequese da Igreja São Tarcísio teve 470 crianças brasileira­s, quase o dobro das 280 registrada­s no período anterior. A explosão é um dos sintomas do aumento da imigração de famílias que fogem da crise econômica no Brasil para tentar a sorte como imigrantes ilegais nos EUA. Muitas chegam em aeroportos com vistos de turista, mas um número crescente tenta a sorte na travessia da fronteira com o México, o que explica o fato de pelo menos 50 crianças e adolescent­es brasileiro­s estarem entre os menores separados de seus pais pela política de “tolerância zero” do presidente Donald Trump.

A São Tarcísio fica em Framingham, que abriga uma das maiores comunidade­s de brasileiro­s nos EUA. Na mesma cidade, a escola primária Woodrow Wilson está com suas salas abarrotada­s, em razão do aumento da chegada de brasileiro­s com filhos pequenos. De seus 509 alunos, 85% são brasileiro­s, disse o diretor John Haidemenos. “Nos últimos dois anos, aumentou muito o número de famílias brasileira­s que matriculam filhos na escola. A cada semana, chegam de três a quatro novas famílias.”

Pároco da Igreja São Tarcísio, o padre Volmar Scaravelli disse que mudou o perfil do imigrante brasileiro que tenta uma nova vida nos EUA. “Com a crise no Brasil, passaram a chegar pessoas de classe média e classe média baixa, que têm formação superior e vêm com toda a família.”

Ao mesmo tempo, a chegada de Trump ao poder aumentou o temor dos imigrantes em situação irregular. Haidemenos afirmou que dois pais de alunos brasileiro­s da Woodrow Wilson foram deportados recentemen­te, o último deles em janeiro. “Hoje (quinta-feira), uma menina brasileira de 7 anos estava chorando com medo de sua mãe ser deportada.”

A retórica e as políticas anti-imigrantes de Trump não impediram a chegada de mais brasileiro­s. Advogada, Maria trabalhava em um escritório de Curitiba especializ­ado em Direito Bancário. Seu marido era funcionári­o dos Correios, onde tinha cargo de confiança comissiona­do. Segundo ela, desavenças políticas o levaram a perder adicionais salariais, o que reduziu a renda da família. “A gente nadava, nadava, nadava. Nós não nos afogávamos, mas não saíamos do lugar”, disse Maria (nome fictício, como todos os de sua família).

No dia 10 de maio de 2017, ela, o marido e a filha chegaram aos EUA com vistos de turista. “Nós não voltamos mais ao Brasil e, se tudo der certo, não voltaremos mais.” A filha de 8 anos, Ana, se adaptou em pouco tempo e já domina o inglês. O marido, João, pegou no batente na construção civil e agora trabalha na cozinha de um restaurant­e. Maria conseguiu emprego em um escritório de advocacia.

O medo da deportação a assombrou no começo. Mas logo ela aprendeu a não pensar no assunto. “Eu sinto como se fosse daqui. Ando tão naturalmen­te na rua que acho que ninguém vai me notar.” Sua mãe de 58 anos se

“Nos últimos dois anos, aumentou muito o número de famílias brasileira­s que matriculam filhos na escola. A cada semana, chegam de três a quatro novas famílias” John Haidemenos DIRETOR DA ESCOLA WOODROW WILSON

juntou a ela em Massachuse­tts na quarta-feira. Seu padrasto veio dois meses antes e trabalha no restaurant­e com João. “Se não tivéssemos saído do Brasil, já teríamos nos afogado.” Maria afirmou que vê com frequência a chegada de novos brasileiro­s, que vêm com visto de turista ou pela fronteira com o México. Como está em situação irregular, ela não poderia voltar ao Brasil mesmo que quisesse. Se sair dos EUA, não conseguirá voltar, a menos que se arrisque a entrar de maneira clandestin­a pela fronteira do sul do país.

Nos EUA há 29 anos, o advogado Danilo Brack disse nunca ter visto uma onda migratória de brasileiro­s como a dos últimos dois anos. Grande parte chega com a família e muitos arriscam a travessia da fronteira com o México com os filhos. “O perfil econômico é muito distinto do passado”, ressaltou Brack, dono de um escritório especializ­ado em imigração em Lowell, Massachuse­tts. “As pessoas agora têm curso superior e algumas têm mestrado e até doutorado.”

Brack observou que também mudou o local de origem dos brasileiro­s. Há dez anos, a maioria vinha de Minas Gerais e Goiás. Agora, muitos vêm do Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo, Bahia e Rondônia.

Os riscos que eles enfrentam também são altos. O advogado disse que as autoridade­s de imigração passaram a prender em vários lugares. Nos últimos anos do governo Barack Obama, a prioridade era dada a pessoas que tivessem antecedent­es criminais. Com Trump, todos que estão em situação irregular passaram a estar sujeitos à detenção.

A prática dos agentes também mudou. O advogado Antonio Massa Vieira, especializ­ado em imigração, disse que muitos imigrantes moradores de Massachuse­tts foram presos no Estado vizinho de New Hampshire quando a polícia fez uma batida na rodovia I-95 durante o feriado em memória dos veteranos de guerra, no fim de maio. Entre os detidos, estava um brasileiro que trabalhava na construção civil em Massachuse­tts e tinha ido fazer turismo em New Hampshire. “O número de pessoas presas aumentou muito. O governo também eliminou recursos administra­tivos que davam ao imigrante que tem uma vida produtiva aqui uma chance de adiar a deportação.”

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WASHINGTON ALVES/ESTADÃO Indecisão. Meire (D) e a filha de 11 anos em Conselheir­o Lafayete; família estuda se elas tentarão entrar de novo nos EUA ou se marido voltará ao Brasil após formatura da outra filha

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