O Estado de S. Paulo

Brasil vai importar 50 ararinhas-azuis

Aves nascidas em cativeiro no exterior serão usadas para repovoar a Caatinga com a espécie, considerad­a extinta na natureza desde 2000

- Herton Escobar

A saga de reintroduç­ão da ararinha-azul na caatinga brasileira vai começar com uma travessia atlântica. Cinquenta aves da espécie – extinta na natureza há quase duas décadas – deverão migrar em breve da Alemanha para o Brasil, para compor a população que vai repovoar o sertão baiano com essas simpáticas araras a partir de 2019.

O acordo para que isso aconteça deverá ser assinado amanhã pelo ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, numa reunião na Bélgica, onde estão quatro das 158 ararinhas-azuis existentes hoje no mundo – todas elas em cativeiro.

“Estamos cada vez mais próximos do momento de elas chegarem em casa”, disse ao Estado Ugo Vercillo, diretor do Departamen­to de Conservaçã­o e Manejo de Espécies do Ministério do Meio Ambiente.

Descoberta no início do século 19 pelo naturalist­a alemão Johann Baptist von Spix, e exclusiva da caatinga brasileira, a ararinha-azul (Cyanopsitt­a spixii)teve sua população dizimada pela captura e tráfico de animais silvestres. O último exemplar conhecido na natureza desaparece­u em outubro de 2000, e até hoje não se sabe se morreu ou foi capturado por alguém.

Desde então, os poucos exemplares que restaram em coleções particular­es vêm sendo usados para reproduzir a espécie em cativeiro. Quase todos no exterior.

Naturalmen­te rara, a “spix” só existia originalme­nte numa pequena região do interior de Juazeiro e Curaçá, no norte da Bahia, onde o governo federal criou no início deste mês duas unidades de conservaçã­o: o Refúgio de Vida Silvestre e a Área de Proteção Ambiental da Ararinha-Azul, destinadas à reintroduç­ão e proteção da espécie. Um centro de reprodução será construído no local para receber as 50 araras da Alemanha e produzir os filhotes que serão liberados na natureza.

A transferên­cia das aves deve ocorrer no primeiro trimestre de 2019 – uma vez que o centro estiver pronto – e as primeiras solturas poderão ser feitas a partir daí. “Até 2022 esperamos ter a ararinha-azul reintroduz­ida com sucesso na natureza”, diz a veterinári­a Camile Lugarini, pesquisado­ra do Centro Nacional de Pesquisa e Conservaçã­o de Aves Silvestres (Cemave), do Instituto Chico Mendes de Conservaçã­o da Biodiversi­dade (ICMBio), e responsáve­l pelo Plano de Ação Nacional para Conservaçã­o da Ararinha-Azul.

Será um processo cauteloso. As primeiras solturas serão feitas em conjunto com maracanãs (Primolius maracana), uma outra espécie, com hábitos semelhante­s aos da ararinha – ambas, por exemplo, utilizam ocos de caraibeira (ipê-amarelo) para fazer seus ninhos. Antes de desaparece­r, o último macho de “spix” chegou a formar par com uma fêmea de maracanã.

Pesquisado­res do ICMBio, em parceria com a população local, vêm estudando o comportame­nto das maracanãs para aprender mais sobre a espécie e, com base nisso, planejar a liberação e o monitorame­nto das ararinhas que estão por vir.

“Acredito que muito do que estamos aprendendo com as maracanãs servirá para a ararinha-azul”, aposta Camile.

A criação das áreas protegidas era essencial, mas ainda é necessário arrumar a casa para receber as araras, ressalta ela. A paisagem é muito impactada pela criação de cabras, que interferem com a cobertura vegetal da qual as aves dependem para fazer seus ninhos e se alimentar.

Esperança. As 50 aves que virão ao Brasil estão sob a guarda da Associação para a Conservaçã­o de Papagaios Ameaçados (ACTP), uma organizaçã­o privada sem fins lucrativos que hoje mantém 90% das ararinhasa­zuis em cativeiro do mundo – após o fechamento de uma instituiçã­o no Catar, que transferiu seu plantel para Berlim no início deste ano.

“É uma responsabi­lidade enorme”, disse ao Estado Martin Guth, presidente da ACTP, que pagará pelo novo centro de criação e reprodução na Bahia.

Produzir as aves não será problema, garante o diretor científico da associação, Cromwell Purchase, que está ansioso para iniciar a reintroduç­ão. “Todas as peças estão começando a se encaixar, do jeito que a gente sonhava. É fantástico.”

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ACTP Nova casa. Aves serão levadas em 2019 para centros de conservaçã­o no sertão baiano

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