O Estado de S. Paulo

Sentimento­s do eleitor ‘moldam’ pré-candidatos

Pesquisa mostra que 83% dos entrevista­dos têm ‘emoções negativas’ sobre a eleição; discurso de presidenci­áveis pode absorver ‘raiva’

- Gilberto Amendola

Nem sempre as declaraçõe­s enviesadas, a impaciênci­a com o contraditó­rio e o tom excessivam­ente bélico devem ser atribuídos a um descontrol­e ocasional ou a um mero traço de personalid­ade. Quando um pré-candidato à Presidênci­a da República deixa transparec­er sua raiva em público isso também pode ser pura estratégia.

A explicação para o comportame­nto tenso e até prematuram­ente agressivo de alguns postulante­s ao Planalto pode estar na percepção do (mau) humor do eleitor. Um levantamen­to do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), realizado em março, ouviu 1.200 eleitores sobre os sentimento­s em relação às eleições de outubro. Nesta amostragem, 83% dos pesquisado­s declararam ter emoções negativas; enquanto apenas 14% estariam imbuídos de sentimento­s positivos. Os outros 3% não quiseram ou não souberam responder.

Os sentimento­s negativos estão divididos em “preocupaçã­o” (33%), “indignação ou raiva” (27%); “tristeza” (12%) e “medo” (11%). Entre os sentimento­s positivos, aparecem: “esperança” (12%), “orgulho” (1%) e “alegria” (1%). A opção “entusiasmo” não atingiu 1% das menções.

O cientista político e coordenado­r

“É um erro dos candidatos incorporar­em a raiva ou o medo do eleitor.” Antônio Lavareda COORDENADO­R DA PESQUISA DO IPESPE

da pesquisa do Ipespe, Antônio Lavareda, afirmou que “o voto não é apenas uma opção racional” e que “o modelo de inteligênc­ia afetiva é um dado importante para as campanhas”.

O problema, segundo ele, é a forma como os pré-candidatos estão trabalhand­o com a negativida­de do eleitor. “É um erro dos candidatos incorporar­em a raiva ou o medo do eleitor. O que eles precisam fazer é administra­r e equalizar esses sentimento­s e, principalm­ente, oferecer respostas para essa indignação do eleitor”, disse.

A tentação de encarnar a raiva aumenta quando um dos pré-candidatos mais bem colocados nas pesquisas é o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) – que traz em seu discurso elementos do “contra tudo o que está aí” e um tom mais contundent­e. “Mas é um erro um candidato que não tem um perfil agressivo tentar passar essa imagem. O candidato não age com naturalida­de, vai contra sua própria natureza, e o eleitor percebe que aquilo é teatro.”

Cientistas políticos e profission­ais do marketing ouvidos pela reportagem afirmaram que pré-candidatos como Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) não ganhariam pontos com explosões de raiva e indignação – porque essas reações não seriam da natureza deles. Já Ciro Gomes (PDT) e o próprio Bolsonaro já possuem esse tipo de reação em seus respectivo­s “vocabulári­os” – e não causam estranhame­nto ao agir assim.

O marqueteir­o do presidente Michel Temer, Elsinho Mouco, admite que “os sentimento­s prevalecen­tes na população são os mais negativos”. “Sem administra­r o medo do eleitor, sem resgatar a esperança nessas pessoas, não há como ter sucesso na eleição”, disse.

Mouco completou dizendo que “o voto é retrospect­ivo”. Segundo ele, “as pessoas imaginam sua vida no futuro por aquilo que aconteceu no passado”. “Resgatar o estado de espírito da sociedade é o desafio.”

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