O Estado de S. Paulo

‘É muito dinheiro público dado sem restrição’

Procurador regional critica regras que disciplina­m repasse do fundo eleitoral para os partidos

- Ricardo Galhardo

A lei que criou o fundo eleitoral representa a maior distribuiç­ão de recursos públicos a um mesmo segmento sem cautela nem restrições da história recente do Brasil. A opinião é do procurador regional eleitoral de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves. Segundo ele, o Ministério Público Federal não tem ferramenta­s para fiscalizar as chamadas vaquinhas eleitorais durante a campanha e o WhatsApp será o “valhacouto” para disseminaç­ão de mentiras.

• Qual o impacto da criação do fundo eleitoral nas eleições deste ano? Como fica, por exemplo, o repasse obrigatóri­o de 30% para candidatas mulheres?

Não me recordo de situação na história recente do País na qual se deu tanto dinheiro a um determinad­o segmento exigindo tão pouca coisa em troca. Não sou contrário ao pleito dos partidos, mas causou espécie o repasse de R$ 1,7 bilhão com critérios de distribuiç­ão que a própria direção partidária vai decidir. Isso é inédito. É muito poder nas mãos das direções partidária­s. E, no caso das mulheres, pode acontecer de o partido escolher uma candidata e depositar todos os 30% só para ela.

• Há falhas na lei?

Essa lei é muito peculiar. É muito dinheiro público dado sem cautela e sem restrições.

• Como o MP vai fiscalizar as vaquinhas eleitorais?

Há cerca de 40 empresas realizando este procedimen­to de arrecadaçã­o. Algumas são tecnologic­amente sofisticad­as. Soubemos de uma em que a pessoa tem de dar uma prova de vida para fazer doação. O programa filma você dando tchauzinho. Outras empresas não têm este requinte. Pode acontecer a doação transversa­l, em que o doador verdadeiro é um e quem empresta o CPF para registrar a doação é outro. Há como fazer a verificaçã­o ao final da eleição. Durante

não tem. Mas essa foi uma boa inovação. Quanto mais o eleitor financiar seu candidato, melhor.

• Uma legislação mais rigorosa ajudaria a coibir distorções?

Eu me preocupo com o exagero de regramento­s da lei. Temos uma lei que chega ao ridículo de definir o tamanho do cartaz que o cidadão pode botar na janela. Ela estabelece um sem número de disposiçõe­s para tentar controlar. Não sou favorável a este movimento, a essa redução no tempo de campanha. Isso é uma coisa que ajuda só quem é conhecido. Parece que são regras feitas só para reeleger as pessoas, não para eleger, porque um candidato novo vai ter poucos dias para se fazer conhecer, divulgar seu programa. Essa minúcia exuberante acaba escondendo os grandes abusos.

Não me recordo de situação na história recente do País na qual se deu tanto dinheiro a um determinad­o segmento exigindo tão pouca coisa em troca.”

A gente tem acompanhad­o este assunto (fake news). A avaliação que ouvi de especialis­tas é de que, mesmo que montássemo­s um aparato enorme, não faríamos frente à quantidade, volume e intensidad­e dessas publicaçõe­s. É uma preocupaçã­o nossa, mas não temos uma estrutura.”

• Como o MP vai coibir as fake news nestas eleições?

Não existe um aparato. O candidato que se sentir ofendido pode ir à Justiça Eleitoral pedir providênci­as. Mas a gente tem acompanhad­o este assunto. A avaliação que ouvi de especialis­tas é de que, mesmo que montássemo­s um aparato enorme, não faríamos frente à quantidade, volume e intensidad­e dessas publicaçõe­s. É uma preocupaçã­o nossa, mas não temos uma estrutura.

• Há como impedir essa prática pelo WhatsApp?

Se você está em um grupo fechado, é muito difícil identifica­r a proliferaç­ão dessas mentiras. Mesmo que você vá ao Judiciário e peça uma ordem judicial, é muito difícil. O WhatsApp hoje é o melhor valhacouto para fazer esse tipo de propagação mentirosa.

• Alguns grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) foram proibidos de pedir votos mesmo no período da campanha.

No caso do MBL, não posso me pronunciar porque é objeto de processo na Procurador­ia.

• De forma geral?

As pessoas jurídicas no Brasil estão proibidas não só de doar dinheiro em espécie, mas bens estimáveis em dinheiro que podem ser em serviços, uma utilidade, um favor. Isso não é cerceament­o porque as pessoas físicas têm direito de opinião.

• Existe alguma possibilid­ade de alguém que foi condenado por órgão colegiado ser candidato?

Depende da condenação. Não é todo e qualquer crime que gera inelegibil­idade. Há um rol da Lei da Ficha Limpa. Se a pessoa for condenada por um desses crimes e não tiver obtido a suspensão da inelegibil­idade, pode ficar inelegível. Mas existe uma cláusula na própria lei que prevê a suspensão da inelegibil­idade. Ou seja, neste momento é só conjectura. Dizer em junho que alguém vai estar inelegível em agosto é um exercício que a gente não faz.

• É possível a Justiça decretar a inelegibil­idade antes do registro da candidatur­a?

Há uma única possibilid­ade. Se houver uma Ação de Investigaç­ão Judicial Eleitoral, a pessoa pode ser condenada a ficar inelegível em casos de abuso do poder econômico, político ou dos meios de comunicaçã­o. Nas demais hipóteses, a inelegibil­idade é sempre indireta. Se a pessoa é condenada criminalme­nte, a sentença não pode mencionar a inelegibil­idade. Este exame vai ser feito no momento do registro da candidatur­a. O resto é futurologi­a.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Eleição. Luiz Carlos Gonçalves diz que MP não tem estrutura para ‘fazer frente’ a fake news

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