O Estado de S. Paulo

DE ADVOGADA POLIGLOTA A FAXINEIRA E BABÁ

Profission­ais liberais sem emprego no Brasil aceitam ofertas abaixo de sua capacitaçã­o profission­al nos EUA

- Cláudia Trevisan

Clara tem 37 anos e é uma das inúmeras vítimas da crise econômica e do impacto dos escândalos de corrupção no Brasil. Advogada, ela fala quatro idiomas. Trabalhou na Suécia e na China para uma das grandes empresas nacionais de petróleo e gás. A Lava Jato expôs os vínculos da empregador­a com o esquema de corrupção na Petrobrás, o que levou a seu fechamento e à perda de seu ganha-pão.

Depois de dois anos infrutífer­os em busca de uma nova colocação, Clara decidiu deixar o Brasil e tentar a sorte em Washington, onde seu irmão estava havia 15 anos. Clara desembarco­u na capital dos EUA com um visto de turista, em junho de 2016, disposta a ficar. A vida de advogada deu lugar a uma rotina em que se alternam o trabalho como faxineira, babá e professora de português.

As jornadas são longas e duras, mas Clara (nome fictício) disse ganhar muito mais do que receberia no Brasil. Quando estava em busca de emprego, a oferta mais elevada que recebeu foi de R$ 2 mil por mês. Nos EUA, ela ganha de US$ 4 mil a US$ 5 mil (R$ 15,1 mil a R$ 19 mil), afirmou. Segundo Clara, isso é suficiente para pagar o aluguel de um apartament­o, ter um carro e levar uma vida confortáve­l.

“Eu faço de tudo um pouco. Aqui o trabalho é puxado, mas vivo bem. Estou feliz da vida”, afirmou a advogada, que disse falar inglês, espanhol, francês, além do português. Até agora, ela conseguiu estender o visto de turista. Ainda assim, sua situação é irregular, já que não poderia trabalhar.

Enquanto der, ficará nos EUA. “Só volto se a situação econômica no Brasil melhorar. A qualidade de vida aqui é muito melhor do que lá.” Seu pais deverão se juntar aos dois filhos em breve. De acordo com Clara, eles venderam um imóvel e usarão o dinheiro para se estabelece­r em Washington, também com visto de turista.

Desde que chegou, aumentou de maneira acentuada o número de brasileiro­s com curso superior que chegam para tentar a sorte na capital americana, observou. “Eu conheço enfermeira­s e engenheiro­s que não conseguiam emprego no Brasil e decidiram migrar para cá.”

O fenômeno não é restrito a Washington. “Quando eu cheguei, em 1998, vinham pessoas mais simples. Agora muitos têm curso superior e vêm com toda a família”, afirmou Liliane Costa, diretora do Brazilian American Center (Brace), em Framingham, cidade de Massachuse­tts que concentra uma das maiores comunidade­s de brasileiro­s nos EUA.

Dono de uma empresa de restauraçã­o de pisos de mármore na Flórida, Mario Teixeira desembarco­u no país em 2006, quando a maioria dos que traçavam o mesmo caminho era de trabalhado­res braçais que acabavam na construção civil. “Agora, tem chegado muita gente com dinheiro, que consegue visto de investidor”, ressaltou. “Mas também há muitos que vêm com curso superior e são obrigados a trabalhar na construção. Grande parte deles não aguenta o batente. No Brasil, eles nunca tinham mexido com isso.”

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ARQUIVO PESSOAL Washington. Advogada também é professora de português

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