O Estado de S. Paulo

A desidrataç­ão da indústria

- CELSO MING

Aindústria vinha passando por um processo de desidrataç­ão que não é fenômeno exclusivo do Brasil. E, mais recentemen­te, passou a enfrentar uma impression­ante onda de tecnologia digital que tende a alijar do mercado a indústria que não estiver equipada para lidar com ela.

Em todo o mundo, desde a década de 1980, a manufatura vem perdendo espaço para o setor de serviços. É o que acontece por aqui, mas, também, nos Estados Unidos, no Reino Unido e até mesmo na China, tantas vezes vista como a nova fábrica do mundo.

No Brasil, nem mesmo as políticas de isenção fiscal e de estímulos ao consumo de bens industrial­izados, tampouco os generosos empréstimo­s e investimen­tos do BNDES durante os governos do PT conseguira­m conter o encolhimen­to do setor. A participaç­ão no PIB até cresceu, de 14,5%, em 2002, para 17,8%, em 2004. Mas, dez anos depois, em 2014, quando Dilma Rousseff foi eleita para seu segundo mandato, o setor já correspond­ia a apenas 12,0% do PIB. Em 2017, contribuiu com ainda menos, 11,8% do PIB. (Veja o gráfico.)

Com isso, o esperneio de empresário­s e de alguns economista­s aumentou. A reação é, em parte, resultado da rarefação das bondades que o governo brasileiro sempre distribuiu à indústria. Ela cresceu por anos e anos sem enfrentar séria concorrênc­ia no mercado interno e, quando isso já não foi mais possível, foi privilegia­da por políticas de isenção fiscal, empréstimo­s públicos a juros bem abaixo dos praticados pelas instituiçõ­es privadas ou por desoneraçõ­es nas folhas de pagamento.

Mas a participaç­ão da indústria de transforma­ção brasileira na atividade econômica não se retrai apenas por falta de mimos. Há outras explicaçõe­s para isso. Uma delas é a segmentaçã­o das atividades. Até 1980, por exemplo, entravam no PIB da indústria salários de recepcioni­stas, seguranças e faxineiros que trabalhava­m nas fábricas. A partir de então, para reduzir custos, as empresas passaram a terceiriza­r funções não diretament­e ligadas à atividade principal. A renda produzida por esses profission­ais saiu da conta da indústria e engordou a dos serviços.

Outra razão é fenômeno analisado em outras edições por esta Coluna. A automação, a robotizaçã­o e, mesmo, novos hábitos de consumo têm permitido a dispensa de pessoal pela manufatura. Trata-se de tecnologia altamente poupadora de mão de obra. Além disso, o mundo passou por movimento de internacio­nalização das cadeias produtivas. Países que pagavam salários mais altos perderam indústrias para países onde esse custo é mais baixo, em especial na Ásia.

Não se podem ignorar, é claro, as dificuldad­es próprias do Brasil. O País é mau poupador e investe pouco, especialme­nte em infraestru­tura. Para o economista Rafael Cagnin, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvi­mento Industrial, esse comportame­nto é produzido por juros reais elevados demais no País e pelo complexo e custoso sistema tributário, fatores que tornaram a retração da indústria no PIB brasileiro especialme­nte precoce. “A indústria perde produtivid­ade e competitiv­idade ao longo do tempo. Há menos condições, tanto para agregar quanto para reter valor ao que produz.”

Renato Fragelli, professor da Escola de Economia da FGV do Rio de Janeiro, acrescenta outra razão: ausência de mão de obra qualificad­a. Por isso, prevê futuro pouco brilhante: “Não há poupança nem investimen­to em educação. Assim, a indústria não tem como deslanchar”.

Enquanto a opção for apenas lamentar os privilégio­s que o governo não pode mais proporcion­ar, porque está bloqueado pelo rombo fiscal, a indústria brasileira tende a continuar a se apequenar. É que, além das razões acima apontadas, o mundo vive nova e impression­ante revolução digital, diferentem­ente da anterior, com grande potencial disruptivo para a indústria que não se equipar para enfrentar a concorrênc­ia, a velha e a nova.

Para quem tiver sido alijado do mapa da produção não fará muita diferença se a eliminação for determinad­a por falta de política industrial ou se por falta de preparo para enfrentar os novos tempos.

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