O Estado de S. Paulo

A SAGA DOS CIENTISTAS QUE FIZERAM A SUPERCANA

Desenvolve­dores da cana transgênic­a tiveram até seus estudos destruídos por uma multinacio­nal

- Cristiane Barbieri

Ahistória por trás do desenvolvi­mento da primeira cana geneticame­nte modificada é um exemplo das idas e vindas no avanço da ciência – comuns a todos os países, pelas incertezas das descoberta­s, mas ainda mais difíceis num país como o Brasil, onde as oscilações econômicas provocam outros entraves.

O trabalho do qual os usineiros agora se beneficiam começou a ser desenvolvi­do no fim da década de 90, quando a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) resolveu incentivar a então incipiente genômica – ramo da bioquímica que estuda e modifica o genoma de um organismo.

Foi montada uma rede virtual, com 60 laboratóri­os. “A bactéria (cujo gene seria decifrado) tinha de ser importante e com genoma relativame­nte pequeno”, diz Fernando Reinach, colunista do Estado e, à época, um dos coordenado­res da diretoria científica da Fapesp e responsáve­l pela criação da rede.

O primeiro sequenciam­ento foi da xylella, que ataca laranjais causando a doença conhecida como amarelinho. Começava um aprendizad­o na qual foram investidos US$ 39 milhões, o equivalent­e a 2,5% do orçamento da Fapesp, de 1997 a 2003. Resultou em queda de 43% dos laranjais infectados para menos de 3%. Também desenvolve­u uma massa crítica de pesquisado­res que pôs o Brasil na fronteira do conhecimen­to na área. A pesquisa mereceu destaque na imprensa internacio­nal.

Após o sequenciam­ento do genoma da xylella surgiram as primeiras iniciativa­s que pretendiam transforma­r o conhecimen­to da academia em aplicações práticas e comerciais. Nasciam, em 2002, empresas como a de bioinformá­tica Scylla, a de genômica aplicada Alellyx e, no ano seguinte, a de melhoramen­to de cana CanaVialis.

Na época à frente da Votorantim Novos Negócios, Reinach foi o fomentador da Alellyx e da CanaVialis, nas quais foram investidos US$ 30 milhões. “Tínhamos uma parceria para usar os genes da Monsanto na cana e, quando viram que éramos capazes, enxergaram valor na empresa.” Em 2008, a Monsanto pagou US$ 300 milhões pela empresa, no meio da crise financeira global.

Com o preço do petróleo a US$ 150 o barril, as grandes empresas do agronegóci­o viram um futuro sem paralelo no biocombust­ível. “A cana ia dominar o mundo”, diz Paulo Furquim, professor de Economia do Insper e especialis­ta na área. “Os investimen­tos aqui e nos EUA eram muito grandes, mas o avanço da ciência tem um caráter de imprevisib­ilidade.” Com a descoberta do gás de xisto nos EUA, do présal no Brasil e as preocupaçõ­es com uma eventual crise de alimentos, o biocombust­ível minguou antes de acontecer. No Brasil, a política do governo Dilma, que segurou a inflação não reajustand­o preços dos derivados de petróleo e provocando enorme crise no setor de etanol, jogou a pá de cal nos investimen­tos em pesquisa.

Virada. Todos os grandes grupos internacio­nais, Monsanto incluída, fecharam as unidades de pesquisa na área no Brasil. “Era outubro de 2015: pensávamos estar entrando numa reunião na qual discutiría­mos bônus”, diz a bióloga Camila Fornezari Rabello, que gerencia times de análises moleculare­s no CTC. “Fomos todos demitidos.” Agustina Gentile,

na época líder de desenvolvi­mento de protocolos na Monsanto, lembra que, naquele ano, trabalhava­m com uma variedade de cana muito difícil de modificar. “Tivemos sucesso mas, na hora dos resultados, tudo foi queimado”, diz Agustina, hoje líder de caracteriz­ação molecular do CTC. Com as regras de biossegura­nça bastante rígidas, a multinacio­nal destruiu toda a pesquisa.

Ao mesmo tempo que a Monsanto fechava as portas, o CTC ganhava fôlego. Criado em 1969 pela Coopersuca­r, era um centro de pesquisas que resolvia problemas básicos operaciona­is do setor, sustentado por usineiros. Em 2011, Teixeira Leite, que era presidente da Monsanto no Canadá e no Brasil quando a canola e a soja transgênic­as foram lançadas, foi levado à empresa com a missão de reinventá-la: o CTC se tornaria independen­te, bancando-se com royalties. Com a redução dos ganhos incrementa­is que produzia, era preciso investir em pesquisa em áreas de ponta, para que o usineiro

passasse a pagar por elas. “O CTC era um camarada de quarenta e poucos anos, formado em Harvard e falando cinco idiomas, mas que morava com a mãe e ganhava mesada”, diz ele.

Num primeiro momento, o BNDESPar (braço de participaç­ões do BNDES) e a Financiado­ra de Estudos e Projetos (Finep) se associaram aos 154 usineiros que a bancavam para criar o mais moderno laboratóri­o da área. As contrataçõ­es foram feitas nos concorrent­es internacio­nais e no exterior, além de 30 pessoas que ficaram na rua com o fechamento da Monsanto.

Hoje com 400 funcionári­os, dos quais dois terços são pesquisado­res, o CTC está no azul desde a safra de 2013/2014 e deve faturar R$ 180 milhões este ano. Listada no Bovespa Mais desde 2016, mas sem ações negociadas, está se preparando para a abertura de capital em mais alguns anos.

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GABRIELA BILO/ESTADÃO Time especializ­ado. O CTC, em Piracicaba (SP), opera hoje com 400 funcionári­os, dos quais dois terços são pesquisado­res

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