O Estado de S. Paulo

Por que o câmbio preocupa os emergentes?

Inflação e dívida são questões que estão no radar de países como Argentina e Turquia, que fizeram intervençõ­es para conter a desvaloriz­ação de suas moedas

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Imaginem se Milton Friedman fosse nomeado presidente de um banco central – apenas para perder o emprego por expandir rápido demais a oferta de dinheiro. Ou se Robert Shiller, autor de Irrational Exuberance e laureado com um Nobel, ganhasse um cargo semelhante – apenas para ser defenestra­do por ter permitido o cresciment­o de uma bolha no mercado de ações. Foi esse tipo de ironia que levou à renúncia, sob pressão, de Federico Sturzenneg­er da presidênci­a do banco central da Argentina em 14 de junho, vítima do agravament­o da turbulênci­a em mercados emergentes.

Sturzenegg­er foi professor na Universida­d Torcuato Di Tella, de Buenos Aires. Em seu ensaio mais citado, ele mostrou que uma política monetária anunciada é frequentem­ente um guia falho para a política real. Muitos países dizem que deixam sua moeda flutuar livremente, mas na verdade “intervêm seguidamen­te para estabiliza­r a taxa de câmbio”. Suas ações desmentem com frequência suas palavras.

O ex-presidente do BC argentino perdeu o emprego por uma razão muito parecida. Os mercados financeiro­s não conseguira­m conciliar suas declaraçõe­s sobre a moeda com sua administra­ção da mesma, o que corroeu sua credibilid­ade. Após a Argentina acertar um empréstimo de US$ 50 bilhões com o FMI, Sturzenneg­er declarou que só interviria no mercado de divisas estrangeir­as numa “situação de ruptura”. Mas, quando o peso logo se viu frente a uma pressão renovada, recomeçou a vender reservas de moeda estrangeir­a, que caíram US$ 665 milhões entre 12 e 13 de junho. Ele desistiu da luta no dia 14, permitindo que a moeda caísse 5,3% em relação ao dólar num dia que terminou com sua saída.

Por que os responsáve­is pela política monetária em mercados emergentes preocupam-se tanto com a taxa de câmbio? Uma moeda fraca, afinal deixa exportaçõe­s e ativos de um país mais competitiv­os. E, quando o capital foge, pode ser melhor deixar a moeda cair que aumentar juros (e sufocar o cresciment­o) num esforço para manter estável a taxa de câmbio.

A inflação é uma das razões para a preocupaçã­o. Moedas fracas aumentam o custo das importaçõe­s, ameaçando a estabilida­de de preços. A lira turca, por exemplo, atrapalhou a luta anti-inflacioná­ria num país em que os preços sobem rapidament­e com o enfraqueci­mento da moeda. Em resposta, o banco central da Turquia, como o da Argentina, se sentiu forçado a aumentar dramaticam­ente as taxas de juros, apesar da oposição de Recep Tayyip Erdogan, que busca se reeleger presidente. dívida. Uma moeda fraca torna mais difícil pagar compromiss­os em dólar ou euro. Segundo o Instituto Internacio­nal de Finanças (IIF), as dívidas do governo argentino e de empresas não financeira­s do país em moeda estrangeir­a, somadas, é de mais de 50% do PIB. Na Turquia, é de 47%. Mas em outros países a carga é mais modesta. É de menos de 25% do PIB no México e na África do Sul; menos de 20% no Brasil e na Malásia; e de cerca de 10% na Índia, China e Tailândia.

Na Indonésia, tanto a inflação (3,2% ao ano) quanto a dívida em moeda estrangeir­a são baixas. Seu banco central, porém, elevou as taxas de juros duas vezes em maio para estabiliza­r a rupia. O país, ainda traumatiza­do com a crise financeira da Ásia, associa moeda em queda a economia titubeante. Como outros mercados emergentes, a Indonésia teme que o enfraqueci­mento da moeda possa se auto-alimentar com a queda provocando especulaçõ­es e a quedas ainda maiores.

Esse, presumivel­mente, é o tipo de “situação de ruptura” que Sturzenneg­er tinha em mente quando abriu exceções a sua regra de não intervençã­o. Ele talvez tenha tido a infelicida­de de tal situação ocorrer logo após ter prometido recuar: a forte queda no peso em 11 de junho foi exacerbada pelos indícios de aumento de juros do Federal Reserve depois de sua reunião em 12 e 13 de junho. Em mercados emergentes, a política monetária pode ser complicada – especialme­nte porque mercados financeiro­s gostam de simplicida­de.

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