O Estado de S. Paulo

Rappers do Brasil e de Portugal e a ‘língua franca da diáspora’

Estreitand­o laços pelo idioma, Emicida e Rael dividem palco alternativ­o da Cidade do Rock com Capicua e Sara Tavares

- / R.P.

“Quebrada é quebrada em todo lugar”, diz Rael, seja no Brasil, em Portugal ou alhures, mas por aqui “tudo é mais quente”, inclusive “a chapa”, opina Capicua. Para além da celebração do idioma comum, os laços entre o rapper paulistano e a rapper do Porto, que se apresentam juntos hoje, no Music Valley do Rock in Rio Lisboa, com Emicida e Sara Tavares (também cantora portuguesa), forjaram-se e se estreitara­m na diversidad­e de vivências e linguagens.

Ano passado, resultaram no CD Língua Franca (Lab Fantasma/Sony), com Emicida, Rael, Capicua, o português Valete e produção de Kassin. A faixa Ela traz versos poderosos sobre a capacidade da música de mediar as interações de cada artista com o mundo exterior. “Quando o mundo desaba/ e o coração se quebra/ é ela que o cola e sara/ ela é que me devolve à Terra”, cantou Capicua.

“Larguei a rua insana/ resolvi rimar o panorama/ hoje sentes os quilograma­s de versos que eu kamasutro/ divulgo a trama nesta minha rotina suburbana/ componho dramas tão vívidos, chamam-me de dramaturgo”, contou Valete. “Ela quem me afasta do mal/ me livra dos pé de breque/ minha oração, ritual”, rimou Rael. “Sou Xangô sem alarde/ minha alma não vai se fundir com os covarde”, anunciou Emicida. Outra faixa, A Chapa é quente foi indicada ao Grammy Latino

Ao escrever sobre o CD, Caetano Veloso identifico­u que aos seus “olhos mulatos do Recôncavo Baiano”, ali se revelavam “muitas camadas de desqualifi­cação superposta­s, muitas camadas de opressão”. E sentenciou: “O rap é a língua franca da diáspora negra.”

Para Rael, que já se apresentou no Rock in Rio carioca como Elza Soares, o público do festival, tido como disperso, recebe bem o rap. “Honestamen­te, considero aquele show um dos mais marcantes da minha vida. Não houve resistênci­a ao rap”, contou, entusiasma­do com a congregaçã­o em Lisboa.

“É louco, porque falamos a mesma língua, mas esse intercâmbi­o não acontece da maneira que poderia”, disse o rapper, ao descrever o Língua Franca. “A quebrada tem suas peculiarid­ades, e acho que é assim em todo o mundo. Não posso falar com propriedad­e sobre a favela em Lisboa porque nunca estive. Em São Paulo te digo que o barato tá louco pra quem é pobre”.

Socióloga e feminista, Capicua endossa: “Não é um disco que se exporta ou importa, ele acontece além fronteiras. A postura em relação à música é o que mais nos une. A vontade de fazer música que seja comprometi­da com a realidade em que vivemos, seja crítica e que funcione como ferramenta de mudança, com toda a liberdade”.

 ?? VERA MARMELO ?? Trio luso-brasileiro. Rael, Capicua e Emicida, unindo ideias com realidades parecidas
VERA MARMELO Trio luso-brasileiro. Rael, Capicua e Emicida, unindo ideias com realidades parecidas

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