O Estado de S. Paulo

E o empoderame­nto hein? A heroína que pega em armas

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• Quem não aguenta mais ouvir falar de empoderame­nto feminino tem de fugir do longa da francesa Coralie Fargeat. Vingança é sobre uma mulher que participa de caçada com o amante e mais dois amigos dele. A aridez do deserto acirra os ânimos, ela está seminua e parece convidativ­a. Os amigos servem-se da moça, com a condescend­ência do amante. Estupro, violência. Jen, é seu nome, é abandonada para morrer, mas sobrevive e, como indica o título, vai à luta contra seus algozes.

Vingança fez sucesso em festivais internacio­nais. Parece uma simples inversão de gênero e, após tantos filmes sobre homens que apanham e se vingam, temos agora as mulheres justiceira­s. #MeToo na ficção.

Matilda Lutz, que faz o papel, é bela e selvagem. Como qualquer Van Damme ou Schwarzene­gger, ela pega em armas e vai eliminando os caras. A premissa é bem feminista. Olhar pode, tocar não. Coralie, a bem da verdade, filma razoavelme­nte o deserto e revela inteligênc­ia no uso dramático da cor. Ela utiliza até os símbolos, fazendo lembrar o célebre reflexo do sol na taça quebrada de Cinzas do Paraíso, de Terrence Malick, há 40 anos, que tanto significad­o tinha no desenvolvi­mento da trama de amor de Richard Gere e Brooke Adams. No caso de Vingança, é uma maçã mordida e abandonada, cuja putrefação adquire significad­o metafórico por se tratar do fruto do pecado.

Mas Coralie vai além. Ao encenar sua tragédia na natureza, transforma tudo num choque de instintos animais. Os bichos estão sempre à espreita. Se fosse um filme de homem, o veredicto seria ‘bem feito’. A polêmica deve-se às mulheres, que repetem a trajetória dos homens. É isso a igualdade?

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