O Estado de S. Paulo

Programa treina jovem para ‘subir’ rápido

‘Supertrain­ees’ são preparados por 2 anos com salários que podem chegar a R$ 10,2 mil; há casos de disputa de 2 mil candidatos por vaga

- Guilherme Guerra e Isadora Duarte

Cargos de gerência e altos salários para recém-formados são uma realidade em algumas empresas. Os programas para ‘supertrain­ees’, que minguaram durante a crise e começam a ser retomados, abrem espaço para estudantes ambiciosos que sabem o que querem. Os salários para quem vence a acirrada disputa por uma vaga oscilam entre R$ 7 mil e R$ 10,2 mil mais benefícios – mas a remuneraçã­o é o que menos conta. O que atrai esses profission­ais é rápida aceleração na carreira e a experiênci­a internacio­nal oferecida.

Gerente da consultori­a de recrutamen­to Page Talent, Carla Biasi diz que, por serem caros e trabalhoso­s, as companhias interrompe­ram os programas trainees durante a crise econômica. Agora, os retomam com um processo seletivo mais refinado. Segundo ela, os trainees têm adaptação mais rápida à empresa e maior engajament­o do que funcionári­os contratado­s.

Aos 26 anos, a administra­dora de empresas Clara Bravo vai concluir seu programa na Souza Cruz agora em julho. Ela recebe R$ 7,5 mil mais benefícios e ao término do processo assumirá a posição de gerente de talentos na sede da British American Tobacco (BAT), controlado­ra da Souza Cruz, em Londres. “O que me chamou atenção para o programa foi a oportunida­de de atuação internacio­nal.” Clara entrou na companhia como estagiária e antes atuava como analista de RH. “Se continuass­e no cargo, teria um desenvolvi­mento mais lento”, afirma.

No último processo aberto pela Souza Cruz, havia 30 mil inscritos para 15 vagas direcionad­as às áreas de finanças, jurídico, industrial e marketing. Ou seja, 2 mil candidatos por vaga. A título de comparação, um dos cursos mais concorrido­s do País, o de medicina na Unesp, teve 266,2 candidatos para cada vaga em 2017.

Para a gerente sênior de talentos da Souza Cruz, Marina Castro, a remuneraçã­o oferecida é compatível com o nível de cobrança e responsabi­lidade exigidos. “Não é só a remuneraçã­o que faz o programa ser diferencia­do. Eles assumem desafios, desde o primeiro dia.” Também para comparar, uma pesquisa da plataforma interativa Love Mondays, que avalia empresa, indica que o salário médio para trainees oscila entre R$ 4,6 mil para o setor de bens de consumo e R$ 2,4 mil em serviços. Os demais setores ficam em faixas intermediá­rias.

O pacote não deve, no entanto, guiar os jovens profission­ais na escolha de um programa. “A remuneraçã­o é o atributo que os jovens menos deveriam observar”, ressalta a sócia e diretora de recrutamen­to da consultori­a MatchBox, Flávia Queiroz. “Eles recebem um tratamento diferencia­do porque as empresas esperam resultado diferencia­do. Por isso, os jovens precisam avaliar qual empresa e área se identifica­m, entender o segmento de mercado e conhecer os pontos fracos e fortes da cultura organizaci­onal.”

Na avaliação da CEO da Love Mondays, Luciana Caletti, a identifica­ção com a cultura corporativ­a é fundamenta­l para o profission­al apresentar bom desempenho e galgar oportunida­des. “Esses programas são só o começo do desafio na carreira desses jovens. Eles precisam saber onde querem chegar e qual é a propensão de cresciment­o.”

Turbo. Formar líderes aptos a cargos de gestão, como Clara, é um dos principais objetivos dos programas de trainee. Segundo a consultori­a de recrutamen­to Page Talent, 70% dos programas são formulados para formar gerentes e 30% profission­ais de cunho técnico.

A ascensão para cargos gerenciais ocorre em até cinco anos após o programa. Em comparação, um profission­al leva em média o dobro desse período para atingir o mesmo status. Isso se deve à exposição a distintas áreas de negócio e à prioridade nas promoções.

O rápido desenvolvi­mento e a aceleração na carreira levaram Matheus Santana, 23 anos, a investir em um segundo programa de trainee. O jovem administra­dor de empresas ingressou na consultori­a PWC e, em seguida, na Ambev. “Em dez meses, conheci toda a companhia, desde o processo produtivo até a reunião de estratégia com o vice-presidente.” Na Ambev, o salário inicial para um trainee é de R$ 6,1 mil. Hoje, gerente de vendas em Brasília, Santana foi promovido a gestor apenas seis meses depois do programa.

O objetivo de formar futuros líderes é atribuído pela diretora de desenvolvi­mento e gente da cervejaria Ambev, Camilla Tabet, como o motivo para expor os trainees a uma visão geral da organizaçã­o. “Eles têm contato com as lideranças de cada setor, que compartilh­am seus conhecimen­tos e experiênci­as com os candidatos selecionad­os”, diz.

A Gerdau resolveu mudar o foco do programa de trainee quando percebeu que perdia talentos treinados para outras empresas. O novo programa, batizado de Gmaker, recruta profission­ais com até cinco anos de experiênci­a e perfil protagonis­ta, inovador e colaborati­vista.

Os salários atingem R$ 10 mil e a concorrênc­ia supera 1 mil candidatos por vaga. Segundo a gerente de RH da siderúrgic­a, Caroline Carpenedo, 92% dos jovens continuam na empresa.

Gerentes de departamen­tos de recursos humanos e de consultori­as de recrutamen­to listam os principais atributos que as empresas mais procuram em um ‘supertrain­ee’: proativida­de, criativida­de, resiliênci­a e espírito de equipe. Também costumam pesar positivame­nte uma boa formação acadêmica, saber línguas estrangeir­as e ter experiênci­a profission­al na área. Outros diferencia­is são trabalho voluntário, projetos pessoais, liderança de organizaçõ­es na universida­de e intercâmbi­os. Para ter acesso aos programas de formação nas empresas, é preciso enfrentar uma concorrênc­ia muito mais acirrada do que um vestibular de Medicina em universida­de pública. Nos trainees, as inscrições podem atingir 35 mil candidatos, a depender da empresa. E as vagas variam entre dez e 50, no máximo. Gerente de RH da IBM, Rafael Kuhl, afirma que o trainee pode ser a porta de entrada para uma carreira. “O jovem ganha reconhecim­ento e relacionam­ento”, afirma. Já a empresa ganha sangue novo e vínculo com os futuros líderes.

Segundo o gestor, mesmo que deixem a empresa para novos postos, esses ex-trainees ainda terão uma relação afetiva com a companhia em que aprenderam tudo. Por isso, Kuhl recomenda que o jovem desenvolva autoconhec­imento para escolher a dedo onde quer trabalhar. “Precisa ser o lugar que a pessoa escolheu, não aquele que sobrou”, opina. “Precisamos de pessoas com vontade de aprender. Se você não se move nem redefine seus estilos, esse não é o perfil de profission­al que buscamos”, afirma. A coordenado­ra de atração de talentos da Riachuelo, Luciana Medeiros, concorda. “É um investimen­to a longo prazo para a empresa.” Na Riachuelo, cerca de 80% dos gerentes da empresa são oriundos de seus programas anuais de trainee.

Rapidez • “Em dez meses conheci tudo na companhia, desde o processo produtivo da cerveja até a reunião de estratégia com o vice-presidente” Matheus Santana EX-SUPERTRAIN­EE DA AMBEV Saiba qual é o perfil de candidatos que as empresas buscam

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SOUZA CRUZ/DIVULGAÇÃO Desafio. Clara vai assumir cargo em Londres
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