O peso de ser ídolo de um país
Lembro como se fosse hoje. Copa de 1986. Brasil x França. Jogo duríssimo pelas quartas de final. A seleção brasileira já não era a que encantara em 1982, mas ainda tentava arrancar as últimas gotas de talento de uma das mais geniais gerações que o País já teve. Zico, artilheiro e ídolo maior de uma safra de craques (Sócrates, Falcão, Júnior, Careca, Cerezo), com o joelho baleado, entra no segundo tempo para tentar tirar um coelho da cartola e desempatar o placar de 1 a 1. Zico já era o maior craque da história do Flamengo. Goleador e comandante da seleção. Campeão brasileiro e mundial de clubes. Esperança de título. Ídolo da torcida. Dele se esperava um toque genial, um drible desconcertante, um gol da vitória. Bola na marca e, claro, gol de Zico, Brasil classificado, rumo ao título, voa canarinho voa, lá lá iá.
Não. Zico, joelho bichado, frio na partida, bate mal. Bats espalmou, um francês cortou de bico o rebote e nosso destino na Copa estava selado. O Brasil perdeu nos pênaltis e pouco importa que, nessa hora, o atacante do Flamengo acertou a cobrança. Sócrates e Júlio César perderam os deles – Platini também perdeu, mas seu time ganhou e o perdão é automático. C’est fini.
A seleção foi eliminada e Zico passou de ídolo a maldito, pipoqueiro, enganador, amarelão. Milhões choraram e praguejaram contra seu herói. Nunca mais jogou uma Copa e a partida selou o triste destino da que talvez tenha sido a maior geração de jogadores a não ganhar o Mundial. Quando Zico bateu aquele pênalti, não era ele quem estava cobrando. Eram todos os brasileiros. É muito peso? Claro que é. Mesmo para os que têm talento fora de série, couro grosso, quilometragem alta. Mas suportar essa pressão é o que transforma jogadores em gigantes.
Pelé ganhou três Copas em momentos diferentes de sua estelar carreira. Em 1958, nem titular era. Aos 17 anos, virou campeão fazendo gols antológicos. Mas não teve pressão. Em 1962, já consagrado, se machucou e viu Garrincha, Amarildo e Vavá brilharem em seu lugar. Em 1970, era o rei do futebol e conquistou o tricampeonato com exibições soberbas.
Ronaldo também sabe como ninguém o que é ser herói e vilão de um país. Talvez tenha sido o jogador que mais se aproximou do talento de Pelé no Brasil. Ganhou o apelido de Fenômeno sua genialidade. O Brasil chegou à final contra a França, em 1998, com Ronaldo à frente do time. Mas ele passou mal na véspera do jogo, foi levado em segredo para o hospital, ninguém jamais soube direito o que ele tinha e entrou em campo quase como um zumbi. Os franceses nos sapecaram um 3 a 0 humilhante. Quatro anos depois, Ronaldo mostrou que era o melhor do mundo. Garantiu o penta fazendo os dois gols da final contra a Alemanha. É idolatrado até hoje.
Impossível não lembrar de Messi ao falar sobre colocar carga nas costas de um jogador. É o maior do mundo, tem habilidade incomparável e está prestes a fracassar mais uma vez na luta por uma Copa. Dessa vez, humilhação das humilhações, pode ser eliminado já na primeira fase.
Esse texto é para você, Neymar. Que ainda não entendeu o que representa para os torcedores tão apaixonados por futebol e tão cruéis nas suas frustrações. Que não entendeu como é tênue a fronteira entre ser o maior craque do mundo e a maior decepção. Que não entendeu que pressão só se coloca sobre os ombros de quem se espera muito. Que não percebeu que os juízes não precisam ser condescendentes com seu estilo cai-cai. Que parece um menino mimado de quem tiraram um brinquedo. Que é dono de uma habilidade espetacular, mas parece ter dúvidas sobre quando usá-la. E que ainda é muito novo e tem tempo o suficiente para provar que todos estão errados. É verdade que falar até papagaio fala. Mas levantar o caneco é para poucos.
✽ EDITOR DO SITE BR18 DO ‘ESTADÃO’