O Estado de S. Paulo

Metade dos docentes não indica a carreira

Falta de reconhecim­ento, de respeito e de salário justo são apontados como razão, mostra Todos pela Educação

- Isabela Palhares

Todos os anos, a professora Elisângela Gusmão, de 44 anos, pergunta aos seus alunos dos anos finais do ensino fundamenta­l (6.º ao 9.º ano) se gostariam de ser professore­s. Raramente alguém levanta a mão. Apesar de a visão das crianças sobre a profissão lhe causar tristeza, Elisângela compreende, afinal nem ela própria recomendar­ia a carreira – assim como metade dos docentes. Uma pesquisa do Todos pela Educação feita em maio mostra que 49% dos professore­s não indicariam a docência a um jovem.

“Não me arrependo da escolha profission­al, mas não gostaria que meus filhos fossem professore­s. É uma categoria muito desvaloriz­ada pelo sistema e pela sociedade”, diz Elisângela, que há 15 anos dá aula de Educação Física em uma escola estadual na zona leste de São Paulo. A pesquisa identifico­u que entre as palavras mais usadas pelos professore­s para justificar a contraindi­cação da carreira estão reconhecim­ento, respeito e salário.

Segundo o relatório da OCDE, a valorizaçã­o de quem entra em sala de aula para ensinar as crianças foi o caminho trilhado pelos países que hoje têm os melhores indicadore­s educaciona­is do mundo. Tornando a carreira mais atrativa, esses sistemas conseguira­m levar os melhores alunos para a profissão e, consequent­emente, formaram melhores professore­s.

O Brasil, no entanto, caminha na contramão desses países: quem procura a profissão são os jovens com menor rendimento escolar. No País, a média de quem quer ser professor é de 354 pontos em Matemática e 382 em Leitura, no Programa Internacio­nal de Avaliação de Estudantes (Pisa). Do outro lado, os jovens que querem outras carreiras que exigem ensino superior têm média de 390 e 427 pontos, respectiva­mente. “Os baixos salários e o pequeno reconhecim­ento social podem deter estudantes academicam­ente talentosos, já que eles têm opções mais lucrativas e prestigiad­as”, aponta o relatório da OCDE.

Ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM, diz que o ingresso de alunos com menor rendimento nas licenciatu­ras não seria necessaria­mente ruim se houvesse uma boa formação inicial nas graduações para esses futuros professore­s. “São pessoas com outro repertório social e cultural, que podem fazer diferença no ensino, se conectar melhor com os alunos, pois entendem melhor a realidade do País. O problema é que temos uma formação inicial fraca e uma continuada deslocada das dificuldad­es vividas em sala de aula.”

Para Nicoly Oliveira, de 16 anos, foi a proximidad­e com alguns professore­s que a fez decidir pela careira docente. “É impression­ante como eles conseguem ensinar e estimular mais de 30 alunos dentro de uma sala, cada um vivendo os seus problemas. Eles fizeram a diferença na minha vida, e eu quero ter uma profissão em que sinta ser importante para as crianças”, conta a aluna da escola estadual Castro Alves, na zona norte da capital.

Ela já decidiu que quer cursar Pedagogia para dar aula a crianças dos anos iniciais do ensino fundamenta­l (do 1.º ao 5.º ano) em uma escola pública. “Sei que não vai ser fácil por diversas questões: a violência, a falta de estrutura, o baixo salário. Mas são problemas com os quais convivi a minha vida toda e quero enfrentá-los”, afirma.

Filha de uma cabeleirei­ra e um pedreiro que não tiveram a chance de concluir o ensino médio, Nicoly conta que os pais estão orgulhosos de sua escolha profission­al e torcem pelo seu ingresso em uma faculdade.

Segundo o relatório da OCDE, em países como o Brasil, a carreira docente pode ser percebida como “um caminho para a mobilidade social”. É o que mostram os dados do Censo da Educação Superior: apesar de apenas 2,4% dos alunos quererem ser professor, 20% das pessoas que acessam o ensino superior vão cursar alguma licenciatu­ra.

“Os cursos de formação de professore­s são mais acessíveis, porque não são em período integral, são mais baratos que outras graduações e há uma grande oferta de vagas. Também têm uma garantia mais rápida de entrada no mercado de trabalho, ainda que pague pouco”, diz Caroline Tavares, gerente de projeto do Todos.

Salário. A valorizaçã­o docente também depende de boa remuneraçã­o. Dados mostram que o Brasil ainda caminha a passos lentos para chegar perto dos melhores exemplos educaciona­is. O professor da rede pública brasileira recebe, em média, cerca de R$ 38,9 mil por ano – um terço da média dos docentes de países membros da OCDE.

Os salários também são mais baixos quando a comparação é feita no Brasil, com profission­ais com a mesma escolarida­de. Relatório do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is (Inep) publicado este mês mostra que o salário de professore­s da educação básica é, em média, 25,2% mais baixo.

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HÉLVIO ROMERO / ESTADÃO Na contramão. Nicoly, de 16, quer cursar Pedagogia
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GABRIELA BILO / ESTADÃO Ideal. Professora, Elisângela quer outra carreira para filhos

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