O Estado de S. Paulo

Para transporta­doras, tabela não está em vigor

Tese será usada por algumas empresas para não cumprir os preços mínimos do frete determinad­os pelo governo, sob risco de multa

- Lu Aiko Otta / BRASÍLIA

“A tabela de frete não pode ressuscita­r assim. Não existe esse efeito Walking Dead.” Frederico Favacho

ADVOGADO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE EXPORTADOR­ES DE CEREAIS (ANEC)

Começa a ganhar força no setor de transporte de cargas o entendimen­to de que a polêmica tabela que estabelece preços mínimos para o frete não está em vigor. Essa é uma das teses que serão usadas pelas transporta­doras que estão descumprin­do o tabelament­o determinad­o pelo governo. Como o ‘Estado’ mostrou na última sexta-feira, diante do impasse em torno da tabela que travou o transporte de mercadoria­s e matérias-primas em todo o País, algumas transporta­doras passaram a ignorar o preço mínimo, mesmo correndo o risco de serem punidas.

A tabela do frete teve uma primeira versão publicada no dia 30 de maio, na forma de um anexo da Resolução 5820 da Agência Nacional de Transporte­s Terrestres (ANTT), como parte do acordo que encerrou a paralisaçã­o dos caminhonei­ros. As empresas reagiram duramente contra ela e pressionar­am o Planalto, que prometeu corrigir falhas e publicar uma segunda versão.

No dia 7 de junho, a resolução 5821 alterou o texto da 5820. Essa norma foi publicada numa edição extraordin­ária do Diário Oficial, tamanha sua urgência. Mas, em questão de horas, os caminhonei­ros estavam no gabinete do ministro dos Transporte­s, Valter Casimiro, protestand­o.

No dia seguinte, uma nova resolução revogou a 5822, como prometido pelo ministro aos caminhonei­ros. “Isso virou uma novela”, comentou à época o líder dos autônomos Wallace Landim, o Chorão. Para o governo, o resultado de tudo isso é que está em vigor a primeira tabela, a da Resolução 5820. Esse é o entendimen­to da ANTT.

Mas, no mercado, circula o entendimen­to de que a tabela da Resolução 5820 foi revogada pela 5821 e não foi restabelec­ida pela 5822. “A tabela não pode ressuscita­r assim”, diz o advogado Frederico Favacho, da Favacho Advogados, que assessora a Associação Nacional de Exportador­es de Cereais (Anec). “Não existe esse efeito Walking Dead.”

Ele explica que, quando uma primeira lei é revogada por uma segunda e essa segunda, por sua vez, é revogada por uma terceira, a primeira lei não volta a existir automatica­mente. A menos que a terceira lei diga explicitam­ente que a primeira volta a vigorar. Essa regra se aplica a leis. Para normas administra­tivas, como é o caso das resoluções da ANTT, é algo que se discute.

Essa tese é uma base a ser usada na defesa de empresas que não estão observando a tabela de frete. Muitas das que atuam na exportação de grãos, por exemplo, têm contratos de serviços de transporte assinados antes da paralisaçã­o, com preços inferiores aos da tabela, segundo informou o diretor executivo do Movimento Pró-Logística da Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Edeon Vaz Ferreira.

Favacho observou também que não há nenhuma multa por parte do governo para empresas que não cumprirem a tabela. O que há na Medida Provisória (MP) 832, que instituiu a política de preço mínimo para o frete rodoviário, é uma previsão que o caminhonei­ro seja indenizado no equivalent­e ao dobro da diferença entre o preço de tabela e o efetivamen­te cobrado. Mas, para isso, ele precisará recorrer à Justiça.

A tese da inexistênc­ia de tabela é uma discussão que corre em paralelo às ações de inconstitu­cionalidad­e da MP 832 no Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria do ministro Luiz Fux. Na próxima quinta-feira, ele fará uma nova tentativa de conciliaçã­o entre caminhonei­ros e empresas.

Caso não haja acordo, ele promete reavaliar sua decisão de suspender o andamento de todas as ações que discutem a constituci­onalidade da MP. Algumas associaçõe­s haviam conseguido liminares suspendend­o os efeitos da tabela. Mas essas decisões foram sustadas por Fux. O Estado questionou a Advocacia-Geral da União (AGU) sobre o assunto, mas não obteve resposta.

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Novela. Para encerrar a greve, governo editou três medidas que alteraram preços do frete

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